Apresentação no Conselho Mundial de Igrejas
Genebra, 22 de Agosto de 1992
1. INTRODUÇÃO
Irmãs e irmãos,
paz e bem no Senhor Jesus!
Em minha
peregrinação no Caminho do Evangelho, estou aprendendo a viver a oração de
Jesus pela unidade (Jo.17) como um mandamento-missão
afim de que o mundo creia, isto é, afim de que haja vida na terra como no céu.
A sabedoria do Evangelho e as energias da Fé devem ser canalizadas para a renovação
da família humana e a preservação da natureza.
Com esta
compreensão e com este espírito, as duas dioceses da Igreja Católica Apostólica de Comunhão Romana, na Baixada
Fluminense, acolheram o encontro ecumênico promovido por este Conselho Mundial
de Igrejas durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
também denominada Cúpula da Terra ou Eco 92.
2. EVENTOS
Antecedendo à
Cúpula da Terra, vários eventos de carater nacional e internacional foram
realizados no Brasil, entre quais um seminário sobre ecologia e desenvolvimento
promovido, em Brasília, pelas Pastorais Sociais da Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB).
A CNUMAD,
propriamente dita, com a participação de mais de cem Chefes de Estado,
aconteceu no RIO CENTRO, de 03 a 14 de junho de l992, na cidade do Rio de
Janeiro, no Brasil.
Ao mesmo tempo,
no ATERRO do FLAMENGO, milhares de eventos, entidades não-governamentais e
pessoas constituiam e participavam do FORUM GLOBAL.
O encontro
ecumênico na Baixada Fluminense, promovido pelo Conselho Mundial de Igrejas,
fez parte da programação do
Forum Global. Provenientes de 54
países, 175 mulheres e homens das grandes famílias cristãs, de 01 a 07 de junho
de l992, buscaram uma resposta ecumênica
aos desafios levantados pela Cúpula da Terra. A experiência vivida no
encontro ultrapassa em grandeza aos documentos elaborados, como a Carta às
Igrejas.
Cada manhã os
trabalhos eram precedidos de meia hora de celebração na capela. Na noite do
primeiro dia (01/06), na Catedral de
Nova Iguaçú, as Comunidades e o
Presbitério da diocese acolheram os participantes do encontro com uma
celebração que impressionou profundamente aos irmãos de outros países pela
simplicidade, dignidade e autenticidade das pessoas que animaram os vários
momentos da celebração.
No dia 04/06, à noite, treze comunidades católicas e
metodistas, dos vários municípios da Baixada Fluminense, foram visitadas pelos
participantes do encontro ecumênico. Pelos testemunhos colhidos no dia
seguinte, nosso povo revela muito sofrimento e humilhação, mas ao mesmo tempo
manifesta o poder do Espírito : "povo oprimido, mas não derrotado"
- uma das expressões colocadas em
plenário!
Sem dúvida,
ponto culminante foi a Vigília de Pentecostes na Catedral de Duque de Caxias.
Tendo início às vinte e duas horas do sábado (06/06) com a inscrição dos
participantes, a Vigília contou com a presença e participação de setenta e
duas Igrejas. Cerca de oitocentas pessoas, até à meia-noite e meia hora, celebramos
o acolhimento no Senhor Jesus, seguido de ato penitencial presidido pelo pastor
presidente da Federação Luterana Mundial, Rev.Dr.G. Brakemeier.
Após intervalo
de uma hora, em que foi servida uma refeição a todos os participantes, teve
lugar a Liturgia da Palavra, presidida pelo bispo anglicano em Madagascar,
Rt.Rev.Rémi Joseph Rabenirina, com homília proferida pelo teólogo franciscano
Leonardo Boff. A acolhida à Palavra de Deus foi animada pela entrada da Bíblia
precedida de tochas e acompanhada de danças em ritmo afro. A beleza desse
momento permanecerá na memória de todos como um dos pontos altos daquela noite
pascal.
A Vígilia
prosseguiu com um tempo de partilha ou
de oração em grupos informais. Novo intervalo com frutas, refrigerantes
e café, proporcionou momentos de confraternização.
Às quatro horas
e trinta minutos foi acesa a fogueira, tendo início a proclamação e celebração
de Pentecostes. Concentrada em volta das escadarias, na parte externa da
Catedral, a Assembleia acolheu a procissão que saía do interior do templo com
os símbolos e ministros que iriam animar o Rito da Fogueira, a Caminhada da
Luz e a celebração da Nova Criação na
alvorada do Domingo de Pentecostes.
A proclamação de
Pentecostes (Atos 2,1-11) junto à fogueira; a diversidade de raças e línguas, o
pluralismo no caminho da Fé; a madrugada, na Baixada do terror e da morte,
iluminada pela Luz de Cristo; o pão abençoado (Rev.Eszter Karsay - da Hungria)
e repartido na praça central de Duque de Caxias; a homília do Rev. Emilio
Castro e, finalmente, a presença de crianças de vários países do mundo,
transformaram aquela comovente e edificante experiência em um novo Pentecostes
para mais de sete mil cristãos presentes na celebração final do encontro
ecumênico em resposta à "Cúpula da Terra" das Nações Unidas.
3. CENÁRIO E CONTEXTO DA CNUMAD
Na perspectiva
da maioria dos participantes do Forum Global, a Conferência teve lugar no
contexto mundial de crescente ameaça a todas as formas de vida no planeta
Terra.
No contexto
brasileiro, a higiene e a segurança oferecidas aos visitantes ilustres não
conseguiram ocultar ou encobrir a degradação e a decomposição da natureza e da
vida nos morros e baixadas da Cidade Maravilhosa, como uma amostra chocante
dos contrastes de um
país, belo e rico, estruturado em favor de uma minoria privilegiada.
Sem dúvida, os
poderes da República Federativa do Brasil conseguiram demonstrar grande
capacidade de organização e eficiência na preparação e realização da
conferência da ONU e, ao mesmo tempo, um grau refinado de cinismo, afastando indigentes e
"pivetes" do espetáculo reluzente e maravilhoso do RIO CENTRO e do
ATERRO do FLAMENGO.
Conforme
palavras da "CARTA ÀS IGREJAS":" com sentimento de urgência
reunimo-nos na Baixada Fluminense...uma região conhecida por uma profunda
degradação das condições de vida da maioria da população ...juntamente com
elevados índices de poluição que degrada o meio ambiente. Isto foi simbólico
para nós , pois onde quer que se negue aos seres humanos sua dignidade criada
por Deus, tambem se nega a dignidade ao
restante da criação". "Vinte anos após a Conferência de
Estocolmo...nenhuma tendência importante de degradação ambiental foi
revertida. Hoje toda a vida está ameaçada num grau bem mais elevado. Muitas
espécies de animais e plantas foram extintas. A poluição da água , do solo e
do ar é maior do que nunca. A desertificação e o desmatamento se aceleram.
Enormes quantias de dinheiro gasto em armas e na militarização continuam a
exaurir recursos desesperadamente necessários...O ônus da dívida dos países
pobres tornou-se cada vez mais asfixiante. A fome aflige um número crescente de
pessoas, não apenas na Ásia, África e América Latina, mas tambem nos países da
Europa Oriental, no Oriente Médio, no
Extremo Oriente, no Caribe e até dentro das nações afluentes do assim chamado
"Primeiro mundo"."
4.PERSPECTIVAS E PROPOSTAS PARA TESTEMUNHO E AÇÃO DOS
CRISTÃOS
Inspirando-me em
documentos elaborados por
ocasião da
CNUMAD, convido
fraternalmente os irmãos e irmãs do Comitê Central do CMI a perceber que as
situações de crise sempre trazem em seu bojo sementes de renovação.
Iluminados pela
Fé, os acontecimentos e situações da história humana sempre manifestam a
presença de Deus chamando-nos à vida em comunhão, pois nos fez à Sua imagem e
semelhança.
A grave crise
ecológica está produzindo convergência e
oferecendo base para o entendimento entre os povos. Somos forçados a tomar
consciência dos limites da natureza e da autonomia de cada nação.
Nenhum povo
consegue fechar suas fronteiras e permanecer imune às consequências de uma
catástrofe ecológica. Nem mesmo as ilhas do Pacífico ou do Caribe estarão a
salvo dos danos causados pela contaminação da terra. Da mesma forma, nenhuma
Nação ou Estado permanecerá, por muito tempo, próspero e em paz, sem o resgate
de mais de um bilhão de pessoas humanas,
amadas por Deus em Cristo como filhos e
filhas, condenadas a definhar na indigência, sofrendo a negação e o
aviltamento de sua dignidade.
O atual modelo
de desenvolvimento da ordem econômica internacional é insustentável. Mais do
que isso: criminoso e blasfemo! Arranca as raízes da vida e elimina a esperança
da face da terra. Sòmente podemos aceitar um modelo de desenvolvimento que garanta os direitos de toda a humanidade
com justiça, paz e integridade da
criação.
Vivemos um momento
rico de esperança. Não há mais tempo para fantasias e insensibilidade. Ninguém
mais conseguirá dormir tranquilamente. As sirenes nos convocam para a vida e a
paz!
A utopia do
"pão nosso de cada dia" será a estrela que conduzirá a humanidade ao
encontro da criança-vida!
A Carta às
Igrejas apresenta a perspectiva para nosso compromisso: " E as crianças,
o que diremos às crianças e às gerações vindouras? Chegamos...à conclusão de
que o sistema dominante está explorando a natureza e os povos em escala
mundial..."
"É
extremamente urgente - continua o documento - que nós como Igrejas, assumamos
compromissos espirituais, morais e materiais vigorosos e permanentes, com o
surgimento de novos modelos de sociedade, baseados numa profunda gratidão a
Deus pela dádiva da vida e no respeito pela totalidade da criação ".
Sem dúvida
cabe-nos urgir e incentivar a atuação política dos cristãos junto aos
parlamentos e governos de seus países afim de que as convenções e documentos da
CNUMAD sejam assinados, ratificados e implementados nos vários níveis de ação
que exigem.
5.UM NOVO JEITO DE SER IGREJA
"A voz de
Deus também convida à conversão a própria Igreja. Os cristãos não estão isentos de responsabilidade em relação
aos modelos de desenvolvimento que têm provocado os desastres sociais e
ambientais em que nos encontramos" (CNBB - Comunicado final do Seminário sobre Ecologia e Desenvolvimento).
Como expressão
de auto-crítica, a nossa "Carta às Igrejas" lembra que, no testemunho
e no anúncio da Fé, é importante estar
sempre atento à contribuição da ciência e ao clamor do povo.
"Não
ousamos negar nosso próprio papel como Igrejas na crise que agora nos assola.
Nós mesmos não proferimos a palavra profética. Na verdade, nem mesmo a ouvimos
quando foi dita por outros recentemente, incluindo uma série de cientistas. E
muito menos demos ouvido aos clamores dos povos indígenas, que nos disseram
durante séculos que a modernidade iria sujar seu próprio ninho e devorar seus
próprios filhos. Assim precisamos sentir pesar e nos arrependermos" (
Carta às Igrejas ).
Um jeito novo de
ser Igreja se faz necessário, afim de que a comunidade eclesial passe a ser o
espaço em que todos possamos aprender de maneira nova o que significa a aliança
de Deus com todas as criaturas.
A redescoberta
da dimensão ecocêntrica e das limitações da natureza devem nos levar a apreciar e cultivar um estilo de vida sem
ganância ou esbanjamento, aprendendo a amar e a tratar a terra com gentileza,
como o faz o próprio Deus. Podemos falar
de uma nova espiritualidade.
"O Espírito
é doador e mantenedor da vida. Tudo o que fomenta a vida, como a justiça,
solidariedade e amor, e tudo o que
defende a vida, como o compromisso evangélico de posicionamento ao lado dos
pobres, a luta contra o racismo e o sistema de castas e o compromisso de reduzir
os armamentos e a violência - tudo isso significa concretamente viver de acordo
com o Espírito. Para o cristão, isto é mais do que um ato político: é uma
prática espiritual. Mais ainda, viver de acordo com o Espírito é captar sua
presença em toda a criação" (Carta às Igrejas).
"Como seres
humanos somos convocados a desenvolver uma consciência criatural onde a
criação deixa de ser vista como objeto de domínio. Ela é um dom de Deus que
deve ser acolhido com reverência, respeito e louvor. Sòmente a vivência dessa
relação do ser humano com a criação possibilitará novas relações sociais e
ambientais e um novo tempo de paz e justiça. É neste contexto que recebem seu
pleno significado as palavras de Cristo:"Eu vim para que todos tenham
vida, e vida em abundância" (Jo.10,10). Com sua Ressurreição Êle inaugurou "o novo céu e a nova
terra"(Apocalipse 21,1) que agora somos chamados a construir com a força
de Seu Espírito" (Comunicado final do Seminário sobre Ecologia e
Desenvolvimento - CNBB).
As celebrações
da Igreja deveriam valorizar o uso de elementos materiais e cultivar a
capacidade de escuta para entrar em sintonia com a sinfonia cósmica regida pelo
Espírito. Ao mesmo tempo, uma atitude penitencial deverá nos conduzir à reconciliação
entre mulher e homem, entre raças, culturas e povos, aprendendo a manter uma
postura de encantamento e de louvor perante todo o ser e todo o conjunto de
seres. Somos o corpo de Cristo e membros do templo cósmico de Deus!
6.CONCLUSÃO
Louvo ao Senhor
da História pela graça do encontro realizado na Baixada Fluminense. Os humildes
e marginalizados foram reconhecidos como irmãos pelas mulheres e homens vindos
ao Rio de Janeiro dos quatro cantos da terra. Louvemos, também, ao Senhor,
pois o testemunho e o jeito das Comunidades dos pobres, podem inspirar a toda a
Igreja de Cristo um jeito novo de ser!
Igreja animada
pelo Espírito da Ressurreição. Igreja que proclama a fidelidade de Deus, Sua
misericórdia e parceria com o povo que caminha na história. Igreja que na
fraqueza e na ignorância dos pequenos proclama a manifestação da força e da
sabedoria de Deus.
Igreja que se
alegra com o pluralismo e com a diversidade. Ao mesmo tempo, Igreja
comprometida com a igualdade das pessoas e que não faz distinção ou discrimina
quem quer que seja. Igreja em que mulheres e homens se descobrem, para alegria
de todos e vida do mundo, ministras e ministros do Evangelho. Igreja verdadeiramente
católica, ecumênica e ministerial.
Igreja que não
coloca esperança no ouro, na sabedoria, no prestígio e no poder. Igreja
decididamente comprometida com a vivência, testemunho e serviço à vida em
comunhão. Igreja do pão abençoado, partido e repartido por todos e para todos.
Igreja solidária com as alegrias e dores da família humana.
Igreja sempre a
caminho...em busca do novo! Como uma criança que aprende a correr para abraçar
o horizonte!
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Reunião do Comitê Central - Conselho Mundial de Igrejas
Genebra, 22 de agosto de 1992
+ Mauro Morelli - 1º bispo da Igreja Católica Apostólica
de Comunhão Romana em Duque de Caxias e São João de Meriti
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