1- O senhor afirmou na abertura da XIX Assembleia
Nacional da Caritas Brasileira que a falta de alimento é fruto do modelo de
desenvolvimento. Como se processa essa relação?
Garantir
o alimento é a razão primeira de agrupamento de insetos e de animais racionais
ou não. Em nosso DNA podem ser encontrados registros das agruras da vida nômade
em constante busca por alimentos.
Em
qualquer época quem mais sofre a insegurança alimentar é a mãe. Por essa
razão, a mulher, com intuição e inteligência, coloca a semente no canteiro,
desencadeando um processo de desenvolvimento através de plantio, colheita,
armazenamento, processamento e preparo dos alimentos. As mulheres
tornam-se as mães da agricultura e da segurança alimentar, superando a
necessidade de vida nômade. A partir de sua descoberta, surgem a tecnologia e a
ciência, a arte que se expressa em danças e cantos.
Considerando
os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio, a segurança alimentar e nutricional
é uma questão de gênero; bem como determinante para os demais objetivos, pois
sem alimentos saudáveis e adequados não são atingidas as outras metas
relacionadas à saúde, educação, mortalidade infantil, etc.
O papa
Paulo VI, na Encíclica sobre o Desenvolvimento dos Povos, adverte que mais
alimento na mesa do povo e consequente distribuição dos bens, deve ser a
primeira diretriz para a escolha de um modelo de desenvolvimento. Assim,
também, foram as conclusões da primeira conferência de segurança alimentar da
Nação Brasileira em julho de 1994.
Não sem
razão o Movimento pela Ética na Política, em 1992, afirmara que a maior
corrupção é nosso país, situado entre as maiores economias do mundo, convivendo
com exclusão social, miséria e o povo sofrendo os males da fome. Ordem e
Progresso, entre nós, tem sido cassação da cidadania, degradação ambiental,
concentração de riqueza, geração de miséria e dos males da fome.
A Ação da
Cidadania foi apontada como caminho para gestar um novo modelo de
desenvolvimento a serviço de uma sociedade justa, fraterna e solidária. Aprendi
com o Papa João Paulo II, em sua inúmeras alocuções e mensagens, que somente
uma articulação entre família, sociedade com todas as instituições e
governos, em todos os níveis e expressões, pode garantir a segurança alimentar
e nutricional da família humana.
2- A falta de alimento também estaria relacionada com a má distribuição e concentração de alimentos. Como garantir uma distribuição que assegure comida para todos?
Enquanto
houver mercantilização dos alimentos vai haver degradação ambiental (graças à
monocultura e consequente empobrecimento nutricional), produção e distribuição
de alimentos caros e nocivos à saúde humana, miséria e fome na face da
terra.
À luz do
binômio indissolúvel Educação e Nutrição, aplicando-se com rigor e grandeza a
Lei Federal 11.947/09, sobre alimentação escolar, ampliada para 365 dias, a
partir das micro bacias, podemos planejar de forma solidária o desenvolvimento
do Brasil de baixo para cima, para que nosso povo seja saudável, inteligente,
criativo e bem humorado. Cultivar, Nutrir e Educar, eis o caminho!
A atual
regulamentação da lei é medíocre e rotineira, não contemplando a grandeza da
própria lei que, embora mutilada, é revolucionária, pois afirma o direito do ser
humano ao alimento saudável e adequado, produzido pela agricultura familiar do
município e região, dentro do processo de relações que caracteriza a educação
em que a pessoa é sujeito de seu próprio desenvolvimento.
Observo
que as cidades podem e devem ser também grandes produtoras de alimentos
saudáveis, adequados e solidários, nas casas e em terrenos baldios, através de
hortas familiares e comunitárias, inclusive nas varandas e telhados. Urgente
uma lei federal que defina, incentive e garanta a agricultura urbana.
3- Qual a importância do papel da igreja e da sociedade civil para lutar contra a riqueza?
Considerando
a CÁRITAS como agência articuladora da ação social da Igreja em nível
diocesano, regional, nacional e internacional, cabe à coordenação pastoral da
Igreja, em todos os seus níveis, a responsabilidade pela efetiva participação
da Igreja no engajamento pela superação da miséria e dos males da fome em nosso
tempo.
Na
Encíclica Caridade na Verdade (n.27), Benedito XVI afirma que não devemos
tratar como questão de caridade o que é um direito; mais, ainda, que a
participação no empenho por mundo livre da miséria e da fome contribui para a
preservação do planeta e a construção da paz.
Cabe à CNBB
urgir a Igreja, em cada diocese, a cumprir o compromisso assumido pelos
bispos em assembleia geral, de 10 a 19 de abril 2002, por ocasião de seu
Jubileu de Ouro, expresso no documento ( Documentos da CNBB número 69):
Exigências Evangélicas e Éticas de Superação da Miséria e da Fome.
Considero
infeliz, equivocada e em contradição com o espírito do Evangelho, a proposta de
combater a pobreza. Devemos combater a riqueza com sua filha primogênita, a
miséria.
Ser pobre
é não acumular e nem desperdiçar o alimento e os recursos indispensáveis
para vida saudável e digna. Ser pobre é ter casa, com salubridade e
privacidade, ter assento à mesa e acesso à cidadania sempre mais plena
através da educação e da participação.
Oxalá não
sejamos como os levitas e sacerdotes que circulam, como baratas tontas, sem
entender porque grassam violência no campo e miséria e fome na cidade (Jeremias
14,18).
Brilhe a
nossa luz pela partilha do pão, não só nos templos, mas em todas as casas (Isaías
58, 7-8). Que não haja entre nós famintos e necessitados, vítimas da injustiça
e da iniquidade. Paz e bem.
+Mauro
Morelli, bispo católico e peregrino
Indaiatuba,
SP, 20/10/13
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