Dom
Mauro Morelli esteve em São Leopoldo para participar de debate sobre nutrição.
Reconhecido por sua luta contra a fome e a miséria, o religioso avalia que a
batalha contra esses problemas passa por uma "mudança no conceito de
desenvolvimento". A entrevista é de Marcelo Monteiro,
publicada pelo jornal Zero Hora, 07-05-2014.
O
planeta produz o suficiente para alimentar todos? Por que 1 bilhão ainda passa
fome?
Em alguns lugares, há
problema de produção, mas, em muitos outros, o problema está no acesso. Esse é
um desafio muito grande. O que trabalhamos é o direito como fundamento. Não é
porque tenho pena de criança com fome. Tenho vergonha. A criança privada do
alimento fica mirrada, não se desenvolve, a humanidade dela foi negada e a
minha foi atingida. Você não pode ser movido pela compaixão. Você não deve
tratar a alimentação como questão de caridade ou de assistência social. Ela é
um direito inalienável do ser humano.
Como
erradicar a fome?
Com uma revisão profunda do
modelo de desenvolvimento. Sem isso, estamos trabalhando com um conceito de
desenvolvimento que degrada o ambiente e acumula riqueza. Há uma cultura do
desperdício muito grande. Tudo é descartável. Com esse tipo de lógica, não
temos como equacionar o problema da pobreza nem da fome. Temos de mudar nossos
paradigmas, nossos conceitos de desenvolvimento, investindo em questões fundamentais
como educação, alimentação e nutrição.
Por
que o Brasil é um dos maiores produtores mundiais de grãos e, ainda assim,
milhões não têm o que comer?
Porque se produz para o
mercado externo, para a criação de animais fora daqui. Temos um mercado interno
fabuloso. Se garantíssemos a esse mercado o acesso a alimento saudável e
adequado, nosso povo seria mais inteligente. Uma criança fica atrofiada se não
for devidamente gestada, alimentada, desenvolvida. Democracia não se faz com
famintos. O que é a democracia? É participação. Em torno da mesa, vejo a
expressão mais bonita da democracia. Você vê um pacto social de um grupo, uma
família, em que se coloca sobre a mesa tudo em comum, e todos, igualmente, têm
direito àquilo. Você cresce nas relações de humanidade em torno de uma mesa.
Como
o senhor avalia a qualidade do alimento que se consome hoje no Brasil?
Não sei quem tem certeza se
o que come dá vida ou traz morte. Você come um tomate e não sabe se é tomate ou
se é veneno. Não basta alimento. É preciso alimento e nutrição. O alimento tem
de ter aquela composição de sais minerais e outros nutrientes que são
fundamentais para a minha saúde. Muita gente tem comida hoje. Há medidas
assistenciais que possibilitam adquirir comida, mas cresce a obesidade. Isso é
grave. As pessoas comem aquilo que engorda, mas não nutre.
Quais
as consequências da concentração na produção de determinados produtos?
Você extingue a riqueza que
a natureza dá, porque, para ganhar mais, concentra em poucos produtos. Enquanto
o alimento for convertido em mercadoria e moeda, vai haver miséria e fome.
O
que o senhor acha do uso massivo de agrotóxicos?
Não são necessários. Várias
correntes trabalham com permacultura (agricultura sustentável) e produção
orgânica. Existe conhecimento que nos permite produzir alimentos saudáveis sem
esses produtos. Agora, se você continua na base da monocultura, é impossível
afastar os insetos.
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