quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Quaresma e Campanha da Fraternidade

Povo saudável, inteligente, criativo e bem humorado


Com a imposição das Cinzas abre-se a Quaresma como tempo forte de conversão ao Evangelho. Tempo de preparação para a celebração da Páscoa através da escuta da Palavra, da oração frequente e da partilha do que somos e do que temos. Tempo de misericórdia recebida, celebrada e vivida.

Um caminho de reencontro com o sentido mais profundo da vida em confronto com as exigências do Reino da Verdade e Vida, da Justiça e Paz, da Reconciliação e Misericórdia.

No Reino não haverá lugar para mentira e falsidade, nem para soberba e prepotência. No Reino não haverá excluídos e marginalizados, nem violência, fome e morte.

No Reino não  mais Senhores  e  Mestres, Reis e Sacerdotes. "Sois todos irmãos e irmãs"(Mt.23,8). Nem mais, sagrado e profano. Assim aprendemos a orar: Venha Teu Reino, Senhor.

A Páscoa é celebrada nos sacramentos da Fé no seio da Igreja. Pelo Batismo mergulhamos na morte de Cristo e ressurgimos com Ele para uma vida nova. Em cada Eucaristia celebramos a Páscoa anunciando a sua plenitude. Em cada sacramento somos configurados nEle para a vida e a missão em Seu Nome.

Nesse contexto, na Quarta feira de Cinzas, a partir de 1964, a Igreja Católica no Brasil lança a Campanha da Fraternidade apontando uma forte exigência da fraternidade.

A caminho do cinquentenário desta bendita campanha, uma boa avaliação certamente poderia contribuir para maiores frutos e mais participação. Por que não realizá-la durante o tempo pascal, permitindo que a Igreja na Quaresma avançe mais no caminho de sua própria conversão ao Evangelho da Vida em comunhão fraterna e solidária?

Quaresma é peregrinação no deserto com suas tensões, privações e tentações. Um tempo de reconciliação e de renovação da Aliança dentro da própria Igreja e de suas Comunidades.

Na manhã de Páscoa os discípulos partiram em missão, tendo um só coração. O tempo pascal é por excelência o tempo de anúncio, testemunho e serviço, não de férias coletivas e de recesso!

Neste ano a Campanha da Fraternidade traz uma grande súplica: "Que a saúde se difunda por toda a terra" (Eclo 38,8), apontando a saúde pública como exigência da fraternidade e da dignidade comum a mulheres e homens.

A leitura transversal do texto base, por muitos provavelmente desconhecido, deu-me a impressão que falamos de saúde, quando em verdade discutimos o que fazer com as doenças.  O texto biblico escolhido é uma exaltação do papel do médico e dos farmacêuticos na cura das doenças.

O próprio governo trabalha mais a doença, fruto de muito desgoverno. Por impossibilidade genética de agir transversalmente, não temos Ministério da Saúde, mas da Doença. Menos, ainda, postos de saúde!

Por ouro lado, teríamos de fato uma Pastoral da Saúde? ou, em verdade, apenas uma, também necessária, Pastoral dos Enfermos? Embora o texto base, com precisão, faça referências preciosas sobre saúde e pastoral da saúde, em seu conjunto resvala para o "tsunami" de doenças que arrasam com nosso povo.

Interessante a chave de leitura a partir dos objetivos do milênio, comumente confundidos com metas. Embora o texto base não faça o destaque, como o fez do quarto ao sétimo, os três primeiros objetivos tratam do fundamento da saúde pública (alimento, educação e a mulher). Podemos sintetizá-los num binômio indissolúvel, ou seja, Educação e Nutrição.

Não há educação sem que a pessoa tenha sido bem concebida, gestada e desenvolvida, isto é, sem que o corpo, alma e espírito sejam devidamente alimentados e nutridos. Por outro lado, não há nutrição sem educação; se considerarmos a educação como processo motivador que leva a pessoa a assumir a sua vida, isto é, aprender a se relacionar consigo mesma, com seu semelhante, com o chão que a sustenta, de forma harmoniosa.

A saúde é resultante da capacidade de administrar diferenças e tensões normais à condição humana. O jogo de cintura ou namoro é imagem desse processo de relacionamento em que ninguém se anula e uma aliança é estabelecida. Um fruto salutar, desde que não se negue a própria identidade.

O caminho da saúde é percorrido ao longo da vida através de um processo permanente de educação alimentar e nutricional. Não se trata apenas de aprender algumas boas práticas, mas de fazer uma opção pela vida em tudo o que somos, temos e fazemos.

Mais do que matérias num currículo, um projeto pedagógico teórico e prático que involva todas as dimensões da vida e que, primordialmente, se realiza na família e na escola. Sem isto, impossível sonhar com os demais objetivos relacionados às doenças.

O meio ambiente é determinante para a saúde, devendo ser tratado como fonte de vida, não como matéria prima capitalizada. Recordando Paulo VI, na Populorum Progressio, questionemos o próprio conceito e modelo de desenvolvimento.

Em que medida colocaria alimento saudável e adequado na mesa do povo. As fontes da vida serão tratadas com reverência e parcimônia para uma vida frugal? Cuidado com o novo discurso da sustentabilidade! Uma nova versão da Revolução Verde?

Seremos um povo saudável, inteligente, criativo e bem humorado, se fizermos a opção pela vida (Dt. 30,19). Escolher a Vida como Povo, como Família e como Pessoa. Escolha que se expressa no pacto social que fundamenta a constituição do Estado e a formação de governos a serviço do bem comum da Nação.

Ao ler o texto base me perguntava sobre o destino do Mutirão Nacional para Superação da Miséria e da Fome, segundo proposta votada pela Assembléia Geral ao celebrar seu jubileu de ouro (documentos da CNBB nº 69).

Não me parece que tenhamos evoluido na compreensão de que a garantia do direito humano ao alimento e à nutrição é a base da saúde e da própria democracia. Uma questão de direito, não de caridade ou de assistência. Na ponta da cauda das doenças, miséria, fome, ignorância e falta de higiene. Embora tenhamos percorrido um bom caminho, a estrada que nos conduz à superação da miséria e dos males da fome ainda tem que ser percorrida por um bom tempo. Assustam-me certas afirmações e dados estatísticos.

Ao mencionar dois milhões de pessoas morrendo anualmente por causa da poluição da água e do ar (alimentos), nenhuma referência ao escândalo de um bilhão de famintos em nosso planeta. Nenhuma desgraça desfigura tanto o ser humano quanto os males da fome, segundo Josué de Castro.

Bento XVI, na Encíclica Caridade na Verdade (nº 27), nos recorda que a fome é uma questão ética para a Igreja. Quem trabalha para a superação da miséria e dos males da fome, trabalha pela preservação do planeta e pela paz. A vida é um processo permanente de alimentação. Alimento é vida. Alimento é caminho da paz.

Assim como Zacarias (8), imaginemos as praças de nossas cidades com pessoas muito idosas e saudáveis e crianças vigorosas brincando. Com o profeta Isaías (58) proclamemos iluminadas as pessoas que partem e repartem o seu bocado com os famintos. Ainda, com Isaías (65), com vigor brademos que nenhuma criança é concebida e dada à luz para viver uns poucos dias. Jovem ainda, quem morrer aos cem anos de vida!

Viva a Vida! Honremos a memória e o legado de Dom Luciano.
Indaiatuba, 22 de Fevereiro de 2012, na abertura da Quaresma.

+Maurus, olim episcopus ecclesiae caxiensis.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Dom Luciano, rogai por nós!




Quem não reconhece que Dom Luciano foi exímio na caridade, a tal ponto que o bom samaritano e pastor, quando chegava no horário, estava com 24 horas de atraso?!

Após dia intenso de serviço na vasta Arquidiocese de Mariana, passava a noite num ônibus a caminho de São Paulo para acudir alguém aflito pelos desencontros da vida.  Como esquecer os desastres nas estradas tortuosas e os longos calvários?

Um santo que acumulava agendas de jesuita para bispo auxiliar, de secretário geral  e presidente da CNBB para arcebispo de Mariana.

Sempre cercado de gente sofrida e excluída, pagando uma média para algum faminto e apartando briga de "embriagados"nas madrugadas frias da Paulicéia. Em Roma, cultivava as mesmas predileções.

Acima de tudo um mártir da colegialidade episcopal à frente da CNBB, por dezesseis anos, atento aos bispos e paciente no diálogo com a Cúria Romana.

Quantas vezes, hóspede da CNBB, durante governo Itamar, não levantava sua cabeça pousada sobre a Liturgia das Horas para recomendar-lhe que Deus também se agrada quando deitamos a cabeça no travesseiro. Em Itaicí, já tarde da noite, o acompanhava até ao refeitório dos jesuitas para que tomasse algum alimento.

Meu santo irmão, Dom Luciano, rogai por nós! Ate fiquei bispo por causa de tua mãe.Te recordas Padre Mendes, da assembléia do episcopado paulista em junho de 1971?

Rogai por nós, sim. Com tua capacidade de síntese e coração misericordioso, transformavas palhas em limalhas de ouro. Nem os chifres do demônio eram desperdiçados.

Como poucos, ousaria dizer, privei da intimidade e das confidências de Dom Luciano. Quantas memórias benditas de um homem portador de luz e incapaz de guardar amarguras.

Sua primeira entrevista como secretário geral foi cercada de fumaça; não de incenso, mas das baforadas de jornalistas que não entendiam o milagre da sua eleição. Levou tempo para que prevalecesse o incenso.

Rogai por nós, santo malabarista. Como foi hábil em Puebla. Sua habilidade era exercida com grande humildade.

Roga por mim, irmão e amigo Luciano! Te alegravas porque "não me tinha corrompido" ocupando uma cadeira no Palácio do Planalto.

Sempre é perigoso ser bispo, também despojado da glória e do poder que circundam os bispos no comando da barca que lhes foi confiada. Perigosa a corrupção que nega a colegialidade e impede a comunhão.

Nesta manhã, antes de escrever um comentário sobre o texto base da Campanha da Fraternidade, fui levado a invocar Dom Luciano.

Quem puder entender, entenda.

Indaiatuba, SP, 21 de Fevereiro de 2012 - Feriado do Carnaval

+ Mauro Morelli, bispo católico e peregrino




quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Perdemos Dom Ladislau, bispo de São José dos Pinhais (PR) e da CPT Nacional


Caros companheiros,
que surpresa nesta segunda feira. Um homem maduro e sazonado foi colhido para o Reino da Vida. Associo-me à CPT na sua dor pela partida de Dom Ladislau. O MST e as Pastorais Sociais sempre contaram com sua adesão às caminhadas necessárias para o reconhecimento do direito de cidadania de nossa gente.
Rendamos graças pelo seu testemunho e pelo seu legado. Minha solidariedade ao povo da Diocese de São José dos Pinhais onde marcou presença durante anos como bispo auxiliar e seu primeiro bispo.
Em sua memória caminhemos na  esperança de uma nova terra sem males, sem exclusão e sem fome.
Na fraternidade de Cristo, com um abraço fraterno, preces e votos de Paz e Bem.

+Mauro Morelli
1º Bispo da Diocese de Duque de Caxias - Emérito
Indaiatuba, SP, 13 de fevereiro de 2012   

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

AMÉRICA/HONDURAS - “O país está mortalmente ferido pela violência, pobreza e corrupção” - denuncia o Card. Rodriguez Maradiaga diante do Presidente de Honduras






Tegucigalpa (Agência Fides) - O Cardeal Oscar Andres Rodriguez Maradiaga, Arcebispo de Tegucigalpa, disse diante das mais altas autoridades de Honduras que o país está sangrando, ferido mortalmente pela violência, pela pobreza crescente, pela falta de respeito pela vida e a corrupção em meio às forças da ordem. A violência em Honduras é resultado “do impacto da sub-cultura do tráfico de drogas, da migração irrefreável e da confusão religiosa, consequência de uma ofensiva das seitas” – disse o Cardeal durante a celebração eucarística de 3 de fevereiro para o 265º aniversário da descoberta da Virgem de Suyapa, padroeira do país centro-americano. Participaram da celebração o presidente hondurenho Porfirio Lobo, seus ministros, chefes dos poderes legislativo e judiciário, outras autoridades locais, diplomatas e milhares de católicos hondurenhos de diversas regiões do país.
O Cardeal destacou que as condições de vida em Honduras sugerem que somente a fé e a esperança podem gerar paz, tranquilidade, segurança e confiança recíprocas. Segundo ele, a ‘limpeza’ no corpo de polícia nacional, que esteve implicada em vários crimes, é um "imperativo urgente" e um "duro trabalho". Lançando um apelo àqueles que têm responsabilidades no governo, o Purpurado disse: “não podemos nos deixar vencer pelo mal, mas devemos vencer o mal com o bem; não podemos viver no medo, sequestrados em nossas casas, perseguidos por uma psicose coletiva feita de medos, insônia, pesadelos e lutos”. O Arcebispo de Tegucigalpa recordou também que é preciso ensinar às crianças que “existe um mandamento da lei de Deus que diz: não matar”.
Honduras, com 8,2 milhões de habitantes, está vivendo uma onda de violências que, segundo organizações de direitos humanos e a imprensa local, provoca uma média de 20 mortes por dia. Segundo dados do Observatório da violência da Universidade Nacional Autônoma de Honduras, em 2011 o país registrou 81,5 homicídio por 100.000 habitantes, bem acima da média mundial de 8,8, segundo dados oferecidos pelas Nações Unidas. O governo está levando adiante uma operação de limpeza no âmbito da Polícia Nacionais, dos ministérios públicos e até mesmo da magistratura.
O Cardeal concluiu dizendo que a Igreja católica anunciou uma campanha cidadã para promover uma cultura de paz e de respeito pela vida, campanha organizada junto com a Caritas Honduras e a Conferência Episcopal, orientada para manter a construção de uma sociedade que coloque no centro o respeito, o bem-estar e a segurança da pessoa humana.
(CE) (Agência Fides, 06/02/2012)

AMÉRICA/MÉXICO - Os tarahumara suicidas pelo desespero, pois não têm o que comer



Cidade do México (Agência Fides) – Os mortos por causa da fome registrados entre a população tarahumara, que reside no atual território mexicano de Chihuahua e em outras localidades do país, onde sobrevivem 28 milhões de mexicanos que não conseguem se nutrir de modo adequado, devem-se às calamidades meteorológicas, à seca ou a geadas. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística e Geografia (INEGI), 58,5 milhões de mexicanos sofrem de pobreza extrema. De modo especial, fala-se de “pobreza alimentar”, ou seja, não têm o que comer. O Consejo Nacional de Evaluación de la Política de Desarrollo (Coneval) apontou o aumento de 12.5 milhões de pobres nos últimos seis anos. Os programas sociais não começam quando realmente é preciso, mas somente em tempos de eleições. Atualmente, na Serra Tarahumara, foram registradas quase uma centena de suicídios por desespero, devido à carência de alimentos. Abundam estatísticas, documentos, reportagens sobre a situação de penúria na qual vivem milhões de mexicanos na Tarahumara e em outras áreas pobres. Faltam iniciativas e atividades para se chegar à raiz do problema e enfrentá-lo propondo soluções. Muitas famílias não consomem todas as refeições do dia. As crianças vão às aulas com apenas um chá ou um pedaço de pão com feijão. Seja dentro como fora do país, aumentam os pedidos de doações por parte de organizações civis e da Igreja católica para arrecadar alimentos para os indígenas Chihuahua. (AP) (7/2/2012 Agência Fides)

FILME: E agora, para onde vamos?

Um filme que é um hino à paz e à harmonia entre as religiões

ROMA, sábado, 04 de Fevereiro de 2012 (ZENIT.org) -. Num vilarejo libanês cristãos e muçulmanos convivem pacificamente, isolados do resto do mundo, graças ao colapso providencial de uma ponte. Mas de vez em quando os ecos da guerra, que recomeçou no país, chegam a eles, por meio de uma televisão improvisada, e as mulheres se reúnem em segredo para encontrar um modo de dissuadir os homens do revoltar-se novamente uns contra os outros...
O filme E agora para onde vamos? é um hino à paz e à harmonia entre as religiões sem qualquer retórica, porque é baseado na realidade de muitas comunidades multiétnicas do Oriente próximo.
Algumas linguagens são um pouco explícitas entre as mulheres, alguma cena sensual.
Grande habilidade da diretora (também protagonista) no saber dirigir grande diversidade de características e conseguir dar-nos a imagem de uma comunidade viva, apaixonada e cheia de humanidade.
O filme, se não prestarmos atenção a algumas perdoáveis arritmias, é uma obra-prima.
A ambientação num pequeno vilarejo isolado do resto do mundo por causa da guerra, em um tempo não especificado, dá ao filme características de uma história que pode falar-nos sobre um tema universal, a paz.
Misturando comédia, fábula, drama e musical com uma capacidade de fazer-nos sorrir com coisas muito sérias, de uma forma que não se via desde os tempos de La Vita è Bella (1997) de Roberto Benigni.
Nesta pequena comunidade vivem juntos cristãos e muçulmanos que se conhecem desde crianças e gerenciam pacificamente seus negócios na sombra de uma mesquita e de uma igreja; porém mais para além de uma ponte, que foi providencialmente destruída, há a guerra que de vez em quando, por meio de imagens de uma TV improvisada, derrama a carga de ódio. O pequeno cimitério do vilarejo, dividido inexoravelmente em dois setores, já está repleto de sepulturas de maridos, filhos e pais que as mulheres de ambos os lados já estão cansadas ​​de ir visitar para renovar as flores e limpar as fotos de lembrança.
Desde os tempos da Lisístrata de Aristófanes é a mulher que sempre demonstrou uma vocação firme para a paz; agora também Nadine Labaki, diretora e ao mesmo tempo atriz (como no seu anterior Caramel), juntamente com outras mulheres do vilarejo inventam de tudo e de todos os encantamentos que podem para distrair os seus homens e evitar que se matem uns aos outros pelo ódio religioso, pela vingança ou simplesmente para defender seu orgulho.
O filme entretém e nos diverte ao mostrar a imaginação dessas mulheres, que conhecendo seus bebezões, procuram distraí-los com um grupo de bailarinas russas que estavam na cidadezinha, sem dúvida não por acaso, ou tentam fazê-los acreditar nas mensagens de uma presunta aparição de uma Nossa Senhora, muito informada sobre todas fofocas do vilarejo... Mas a comédia não é o único registro do filme: quando a tragédia chega inesperada e uma mãe se depara com seu filho morto por uma bala perdida, a tonalidade torna-se heróica e a mulher sabe sufocar seu ressentimento enterrando secretamente a criança para evitar que se torne um pretexto para começar uma cadeia de vinganças.
Poderíamos ficar perplexos, diante da complexidade das problemáticas do mundo meio oriental, pela forma simples e direta com que as mulheres, apesar das várias provocações, são capazes de manter a coerência de pensar sempre e em todos os momentos em como manter em vida os seus maridos (usando às vezes métodos pouco ortodoxos) considerando-se satisfeitas só quando conseguem enterrar as armas fornecidas para o vilarejo. E talvez este seja o modo de afirmar o absurdo de todas as guerras: como é fácil pensar na paz e como se torna estúpido e irracional aqueles que vêem na guerra uma solução para seus problemas.
Muito bonitas são as figuras do imame e do pároco da cidade, unidos primeiramente na harmonia das duas comunidades... e quando se unem com as mulheres na implementação dos subterfúgios destinados a pacificar os ânimos, não se sentem muito confiantes de terem cumprido atos agradáveis às suas respectivas Superioridades Celestes.
Nadine Labaki esteve muito boa ao caracterizar todos os personagens: poucas cenas são suficientes e alguns toques para fazer-nos entrar na vida desta simpática comunidade. É verdade, é uma comunidade de fábula, mas poderia perfeitamente ser o modelo para tantas realidades multiétnicas.
Se tivéssemos que reprovar algo à autora, não é possível negar que o seu ponto de vista seja exclusivamente feminino: enquanto as mulheres são sábias e controladas, os homens são vítimas dos seus instintos, sejam esses de natureza bélica ou simplesmente os de perder a cabeça diante da primeira mini-saia que passa na sua frente.
*
Título Original: Et maintenant on va ou?
País: França, Líbano, Itália, Egito
Ano: 2011
Direção: Nadine Labaki
Encenação: Nadine Labaki, Jihad Hojeily, Rodney El-Haddad
Produção: LES FILMS DES TOURNELLES, PATHÉ, LES FILMS DE BEYROUTH, UNITED ARTISTIC GROUP, CHAOCORP, FRANCE 2 CINÉMA, PRIMA TV CON LA PARTECIPAZIONE DI CANAL +, CINECINEMA, FRANCE 2
Duração: 100
Elenco: Nadine Labaki, Claude Baz Moussawbaa, Layla Hakim, Yvonne Maalouf
Franco Olearo
[Tradução Thácio Siqueira]

Carta aberta criança e consumo




Os participantes da oficina Criança e consumo: os donos do cardápio infantil, realizada no Fórum Social Mundial Temático 2012, por iniciativa do Núcleo Interdisciplinar de Prevenção de Doenças Crônicas na Infância da Pró-Reitoria de Extensão da UFRGS e do e-grupo Criança e Consumo (criancaeconsumo1@gmail.com), decidiram pela publicação desta carta em alerta à população e às autoridades quanto aos riscos à saúde decorrentes de uma alimentação inadequada, baseada em produtos industrializados, que contêm altas taxas de gorduras, sal e açúcar e baixo valor nutricional.
Como consequência:
  1. o excesso de peso, em 2008-2009, já atingia cerca de metade dos homens e das mulheres adultas. Dados comparativos das décadas de 70 a 90 mostram que, neste período, o excesso de peso de meninos (5 a 9 anos) aumentou 3 vezes e de adolescentes (10 a 19 anos), 6 vezes (IBGE), o que comprova que a obesidade é uma doença evolutiva, que se inicia na infância e se perpetua ao longo da vida;
  2. as doenças crônicas associadas à obesidade (hipertensão arterial, diabetes e câncer), antes consideradas doenças de adulto, têm sido diagnosticadas cada vez mais precocemente;
  3. estas doenças estão relacionadas às quantidades excessivas de sal (sódio), açúcar e gorduras presentes em refrigerantes, bolachas recheadas, salgadinhos e massas instantâneas, consumidas pelas crianças.
                O bombardeio publicitário dirigido ao público infantil, associado à desinformação da população, são os verdadeiros donos do cardápio das crianças. 
Conclamamos a população e as autoridades a:
      estabelecer ações conjuntas e continuadas, principalmente das Secretarias de Educação e de Saúde voltadas à educação nutricional e alimentar desde o período pré-natal, com ênfase em creches e pré-escolas;
      enfatizar os benefícios do aleitamento materno exclusivo nos primeiros 6 meses de vida, da sua continuidade após a introdução da alimentação complementar saudável, assim como dos prejuízos associados ao aleitamento artificial;
      destacar a importância de evitar o acréscimo de açúcar e sal nos alimentos antes dos 2 anos de vida - período vital em que se define o paladar, que acompanhará o ser humano pelo resto de sua vida;
      difundir amplamente para a população, bem como fiscalizar de forma efetiva, onde a alimentação escolar é executada e servida (escolas), o cumprimento das diretrizes do Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE (Lei nº 11.947, de 16/06/2009), que determina a aquisição mínima de 30% de produtos oriundos da agricultura familiar, proíbe a compra de refrigerantes e restringe a aquisição de enlatados, embutidos, doces, alimentos em pó ou desidratados para reconstituição, com quantidade elevada de sódio e de gorduras;
      agregar as universidades públicas na capacitação dos profissionais das áreas de saúde e educação, focada em uma alimentação escolar adequada aos costumes regionais, às condições nutricionais individuais das crianças e às faixas etárias, dos berçários até o final da vida escolar;
      promover, pelo poder público, campanhas de esclarecimento quanto à importância de hábitos alimentares saudáveis na prevenção de doenças crônicas;
      mobilizar os Conselhos Municipais de Educação, de Saúde e de Alimentação Escolar para o engajamento em defesa da alimentação saudável;
      criar uma mobilização nacional pela regulamentação da publicidade dirigida ao público infantil.
       Cada um de nós é responsável pela saúde das crianças. Pense nisso!     
Porto Alegre, 25 de janeiro de 2012

Quem são os donos do cardápio infantil?

 
Há 40 anos trabalho como Nefrologista Pediátrica. Não recordo de ter identificado, antes dos anos 90, um único caso de pressão alta em criança que não estivesse relacionada a algum problema grave como doença nos rins, nas artérias renais, na aorta ou a tumores raros. Pressão alta era uma doença de adultos. Era!

 
Infelizmente, na última década, mais crianças passaram a sofrer de hipertensão arterial, uma doença crônica, isto é, que se arrasta por toda a vida e que necessita de medicação continuada. E qual a causa dessa repentina mudança? Múltiplos fatores podem causar a pressão alta mais comum - também chamada de hipertensão arterial essencial - mas os principais são a combinação de obesidade e ingestão de quantidades excessivas de sal na alimentação.

 
Antes de seguir em frente, é preciso que se diga que a pressão alta não é um probleminha qualquer. É fator de risco importante para infarto do miocárdio e acidentes vasculares cerebrais (os derrames cerebrais), entre tantas outras consequências. E o resultado da obesidade iniciada na infância é o aparecimento de hipertensão arterial em crianças e adolescentes, de diabetes melito, doenças vasculares como infarto do miocárdio, tromboses, derrames cerebrais e todas as suas complicações.

 
Bem, mas não é de hoje que o sal está presente na alimentação humana. Então, por que agora estaria prejudicando também as crianças? O problema não é exatamente o sal, mas sim o sódio presente nele e é esse último que causa o aumento da pressão. É aí que entram os alimentos industrializados ou altamente processados. Há muita diferença na quantidade de sal (cloreto de sódio) colocado numa refeição cotidiana preparada em casa e os tais produtos industrializados. Nesses, o sódio está presente, além do sal,na estrutura dos conservantes e aromatizantes, usados para aumentar o período de validade ou para realçar o sabor, resultando em quantidades exageradamente grandes de sódio.

Nesse contexto, é preciso considerar que os hábitos alimentares dos brasileiros mudaram significativamente nos últimos anos. Saímos do feijão, arroz e bife para as comidas congeladas, as pré-prontas, os salgadinhos, os biscoitos e refrigerantes. Atraídas por propagandas fascinantes que prometem um mundo de sonhos em um pacote de salgadinhos ou um pirulito, por brindes-brinquedos e pelas intermináveis coleções, as crianças se tornaram as principais vítimas desses alimentos e passaram a influenciar nas compras de toda a família. Sem entender o que leem ou sem ler o que informam os rótulos, os pais também se seduzem pelos coloridos sinais de adição a anunciar + ferro, + cálcio, + vitaminas. Na verdade, estão comprando gordura, sal e açúcar, crentes de que seus filhos estão sendo bem alimentados. É isso mesmo. Em geral, as fantásticas embalagens coloridas contêm muita caloria e baixíssimo valor nutricional.

 
Estudos que vem sendo amplamente divulgados pelo Ministério da Saúde apontam que o brasileiro está ingerindo mais que o dobro de sal da quantidade diária recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 5 gramas, o que equivale a uma colher de chá. O brasileiro, em média, está consumindo 12 gramas ao dia, o equivalente a uma colher de sopa. Muitos produtos que hoje fazem parte da dieta usual de crianças contêm quantidades exageradas de sal, sem que os pais percebam o perigo. Você sabe que um pacote de massa instantânea pré-cozida tipo miojo contém 5g de sal, que é a quantidade máxima diária recomendada para um adulto? Haja rins para dar conta!

 
Pesquisa publicada neste janeiro por um grupo da Filadélfia, no American Journal of Clinical Nutrition, uma importante revista da área, mostrou a relação entre o desenvolvimento da aceitação do gosto salgado e uma alimentação complementar, administrada a bebês, contendo amido (batatas, arroz, trigo, pão, bolachas). Foram comparados dois grupos de lactentes: um recebeu alimentação complementar com amido e o outro só comeu frutas em complemento ao leite. A aceitação para o gosto salgado já estava presente aos seis meses nos lactentes alimentados com amido e ausente nos que receberam só frutas. Os lactentes do primeiro grupo apresentaram maior probabilidade de lamber o sal da superfície dos alimentos na pré-escola, bem como de comer sal puro. Assim, segundo a pesquisa, experiências alimentares bem precoces (primeiros meses de vida) exercem um papel muito importante em moldar a resposta ao gosto salgado de lactentes e pré-escolares.

 
Sabemos que a formação do hábito alimentar se dá desde a gestação até cerca de dois anos de idade. E uma vez consolidado o padrão de gosto, fica difícil mudar. A isso, é preciso associar o padrão de uma infância sedentária em frente à televisão, computador e vídeo games. O resultado tem sido a obesidade. Dados do IBGE mostram que o excesso de peso e a obesidade são encontrados com grande frequência, aos cinco anos de idade, em todos os grupos de renda e em todas as regiões brasileiras. Houve um salto no número de crianças de 5 a 9 anos com excesso de peso ao longo de 34 anos: em 2008-2009, 34,8% dos meninos estavam com o peso acima da faixa considerada saudável pela OMS. Em 1989, este índice era de 15%, contra 10,9% em 1974-75. Observou-se padrão semelhante nas meninas que, de 8,6% na década de 70, foram para 11,9% no final dos anos 80, e chegaram aos 32% em 2008-09.

 
O tempo de exposição à mídia também vem aumentando. Em média, as crianças ficam mais de 5 horas diárias em frente à TV, tempo superior ao permanecido na escola, que é de 4h30min. Além disso, o padrão das crianças de hoje é acessar varias mídias ao mesmo tempo e em quase todas há inserção de propaganda, ou seja, as crianças ficam expostas a um bombardeio mercadológico. Estudo feito pela Universidade de São Paulo, em 2007, mostrou que 82% dos comerciais televisivos sugeriam o consumo imediato de alimentos ultraprocessados, 78% mostravam personagens ingerindo-os no ato e 24% dos alunos expostos a tais mensagens apresentaram sobrepeso ou obesidade. Já um levantamento realizado pelo Ministério da Saúde em 2009 identificou que apenas 25% das crianças entre 2 e 5 anos e 38% das crianças entre 5 e 10 anos consomem frutas, legumes e verduras. Guloseimas como balas, biscoitos recheados, refrigerantes e salgadinhos ocuparam o espaço de refeições principais.

 
E a água? De repente esse bem essencial ao bom funcionamento do corpo humano foi sendo esquecido. Em creches, escolas e hospitais é comum não encontrarmos bebedouros. A água não está franqueada justamente a quem deveria receber estímulo constante para ingeri-la. O estímulo está focado nos sucos industrializados e nos refrigerantes.

 

 
E agora, já podemos responder quem são os donos do cardápio das nossas crianças? E quais as conseqüências de seguirmos ao sabor do vento das grandes corporações fabricantes de alimentos? E de não termos controle sobre a publicidade dirigida ao público infantil?

 
Se o que queremos para nossas crianças não é um futuro de obesos desnutridos, precisamos tomar as rédeas da situação e já. A informação continua sendo a chave-mestra e, pais, educadores e profissionais da saúde precisam saber identificar o que está escrito nos rótulos. Se tomamos tantas medidas para a identificação de pessoas que entram nas nossas casas e nas escolas, porque não adotamos estes mesmos cuidados antes de permitir a entrada de substâncias no nosso organismo e das nossas crianças? Nunca é demais lembrar que bons hábitos alimentares começam a ser transmitidos na vida intra-uterina, que criança até dois anos não deve ser exposta ao sal e que não se deve colocar açúcar em chás e mamadeiras de bebês. Muito menos achocolatados, que contém açúcar e gordura em excesso.

 
Seguindo orientações da OMS, estão surgindo políticas públicas para redução do sal nos alimentos industrializados, assim como campanhas de esclarecimento ao público. Foram identificadas ações em 38 países, sendo a maioria na Europa. Já o Brasil recém está iniciando algumas medidas nessa área. Em janeiro deste ano, a Anvisa fez recomendações não obrigatórias para a redução, até 2014, em 10% no conteúdo de sal do pão francês.

 
Também em países europeus, há regras rígidas em relação à propaganda dirigida a crianças. Em terras nativas, dispensam-se comentários. Felizmente a sociedade começa a dar sinais de reação.

 
Acreditando que um outro mundo é possível, que tal a gente sonhar com uma sociedade em que a saúde das nossas crianças esteja acima dos interesses das megacorporações?

 
Noemia Perli Goldraich é doutora em Nefrologia pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), pós-doutoraem Nefrologia Pediátrica pela Universidade de Londres, professora-associada do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFRGS, nefrologista pediátrica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e coordenadora do Núcleo Interdisciplinar de Doenças Crônicas na Infância da Pró-Reitoria de Extensão da UFRGS.