quarta-feira, 19 de dezembro de 2012


P R Ó L O G O

O Evangelho é uma Boa Nova.
O Evangelho, segundo João, começa com um Prólogo.
No princípio e na origem de tudo o Verbo ou a Palavra. Nele tudo foi feito e para ele tudo se destina.
De certa forma, ressalvado o que deve ser ressalvado, escrevo um prólogo para o Plano Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável.
Em 1999, quando iniciei minha peregrinação por Minas Gerais, Segurança Alimentar Nutricional Sustentável soava como linguagem de outro planeta, segundo ainda recentemente ouvi de um amigo.
Eis o prólogo!
Alimento é vida. A vida é um processo permanente de alimentação.Comer e beber para viver, um direito humano básico. Comer como gente e na companhia de gente.
A toda criança que nasce em Minas Gerais e em qualquer outro recanto do planeta será garantido o acesso ao alimento saudável, adequado e solidário, como direito e não por compaixão.
A defesa e promoção do direito humano ao alimento e à nutrição visa formar um povo saudável, inteligente, criativo e bem humorado!
Em nossos dias, o caminho percorrido nasceu da pregação de Josué de Castro, o profeta de um mundo livre dos males da fome.
Foi declarado urgente pela pregação de Dom Helder, outro nordestino, pelo testemunho de Betinho e pela imensa caridade de Dom Luciano.
Não esqueçamos as mulheres e homens da Pastoral da Criança subindo morros e descendo ladeiras para resgatar crianças da desnutrição e da morte.
Houve um homem enviado por Deus para ser o aliado do povo, seu nome: ITAMAR.
Passo a passo a luz foi se transformando em labareda que ilumina e aquece o ânimo de tantos peregrinos. 
Decretos e até uma lei surgiu gestada pelo povo, transformada em mensagem pelo Executivo, acolhida no Legislativo pela maioria e aplaudida pela oposição. Uai! Estamos em Minas Gerais!
Ao longo do tempo, cinco conferências estaduais, precedidas de outras tantas conferências regionais e mais articulações.
A estrada não termina e o desafio permanece, muitas milhas a percorrer.  
Em cada município, surgirá uma aliança que garanta a cada criança educação e nutrição.
Nas dez macro regiões de planejamento, diagnósticos devem ser produzidos e planos regionais implementados por exigência da realidade e da cidadania.
Nenhum planejamento irá ignorar que a sociobiodiversidade á a maior riqueza das Minas Gerais.
Eis que agora é hora de cultivar, nutrir e educar. Alimento é Caminho da Paz.

Belo Horizonte, 12 de dezembro de 2012

Dom Mauro Morelli
Bispo Emérito da Diocese de Duque de Caxias
Presidente do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas Gerais
Fundador do Instituto Harpia Harpyia

domingo, 24 de junho de 2012

O TEMPLO CÓSMICO DE DEUS



       

Apresentação no Conselho Mundial de Igrejas
Genebra, 22 de Agosto de 1992 






1. INTRODUÇÃO


     Irmãs e irmãos, paz e bem no Senhor Jesus!

     Em minha peregrinação no Caminho do Evangelho, estou apren­dendo a viver a oração de Jesus pela unidade (Jo.17) como um  man­damento-missão afim de que o mundo creia, isto é, afim de que haja vida na terra como no céu. A sabedoria do Evangelho e as energias da Fé devem ser canalizadas para a renovação da família humana e a preservação da natureza.

     Com esta compreensão e com este espírito, as duas dioceses da Igreja Católica  Apostólica de Comunhão Romana, na Baixada Fluminense, acolheram o encontro ecumênico promovido por este Conselho Mundial de Igrejas durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, também denominada Cúpula da Terra ou Eco 92.


2. EVENTOS


     Antecedendo à Cúpula da Terra, vários eventos de carater na­cional e internacional foram realizados no Brasil, entre quais um seminário sobre ecologia e desenvolvimento promovido, em Brasília, pelas Pastorais So­ciais da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

     A CNUMAD, propriamente dita, com a participação de mais de cem Chefes de Estado, aconteceu no RIO CENTRO, de 03 a 14 de ju­nho de l992, na cidade do Rio de Janeiro, no Brasil.

     Ao mesmo tempo, no ATERRO do FLAMENGO, milhares de eventos, entidades não-governamentais e pessoas constituiam e participavam do FORUM GLOBAL.

     O encontro ecumênico na Baixada Fluminense, promovido pelo Conselho Mundial de Igrejas, fez parte da  programação  do  Forum  Global. Provenientes de 54 países, 175 mulheres e homens das grandes famílias cristãs, de 01 a 07 de junho de l992, buscaram uma resposta ecumênica  aos desafios levantados pela Cúpula da Terra. A experiência vivida no encontro ultrapassa em grandeza aos documentos elaborados, como a Carta às Igrejas.

     Cada manhã os trabalhos eram precedidos de meia hora de cele­bração na capela. Na noite do primeiro dia (01/06), na  Cate­dral de Nova Iguaçú, as Comunidades e  o Presbitério da diocese aco­lheram os participantes do encontro com uma celebração que im­pressionou profundamente aos irmãos de outros países pela simpli­cidade, dignidade e autenticidade das pessoas que animaram os vá­rios momentos da celebração.

     No dia 04/06, à noite, treze comunidades católicas e metodistas, dos vários municípios da Baixada Flumi­nense, foram visitadas pelos participantes do encontro ecumênico. Pelos testemunhos colhidos no dia seguinte, nosso povo revela muito sofrimento e humilhação, mas ao mesmo tempo manifesta o po­der do Espírito : "povo oprimido, mas não derrotado" -  uma das expressões colocadas em plenário!

     Sem dúvida, ponto culminante foi a Vigília de Pentecostes na Ca­tedral de Duque de Caxias. Tendo início às vinte e duas horas do sábado (06/06) com a inscrição dos participantes, a Vigília con­tou com a presença e participação de setenta e duas Igrejas. Cerca de oitocentas pessoas, até à meia-noite e meia hora, cele­bramos o acolhimento no Senhor Jesus, seguido de ato penitencial presidido pelo pastor presidente da Federação Luterana Mundial, Rev.Dr.G. Brakemeier.

     Após intervalo de uma hora, em que foi servida uma refeição a todos os participantes, teve lugar a Liturgia da Pala­vra, presidida pelo bispo anglicano em Madagas­car, Rt.Rev.Rémi Joseph Rabenirina, com homília proferida pelo teólogo franciscano Leonardo Boff. A acolhida à Palavra de Deus foi animada pela en­trada da Bíblia precedida de tochas e acompa­nhada de danças em ritmo afro. A beleza desse momento permanecerá na memória de to­dos como um dos pontos altos daquela noite pas­cal.

     A Vígilia prosseguiu com um tempo de partilha ou  de oração em grupos informais. Novo intervalo com frutas, refrigerantes e café, proporcionou momentos de confraternização.

     Às quatro horas e trinta minutos foi acesa a fogueira, tendo iní­cio a proclamação e celebração de Pentecostes. Concentrada em volta das escadarias, na parte externa da Catedral, a Assembleia acolheu a procissão que saía do interior do templo com os símbo­los e ministros que iriam animar o Rito da Fogueira, a Caminhada da Luz  e a celebração da Nova Criação na alvorada do Domingo de Pentecostes.

     A proclamação de Pentecostes (Atos 2,1-11) junto à fogueira; a diversidade de raças e línguas, o pluralismo no caminho da Fé; a madrugada, na Baixada do terror e da morte, iluminada pela Luz de Cristo; o pão abençoado (Rev.Eszter Karsay - da Hungria) e re­partido na praça central de Duque de Caxias; a homília do Rev. Emilio Castro e, finalmente, a presença de crianças de vários países do mundo, transformaram aquela como­vente e edificante experiência em um novo Pentecostes para mais de sete mil cristãos presentes na celebração final do encontro ecumênico em resposta à "Cúpula da Terra" das Nações Unidas.


3. CENÁRIO E CONTEXTO DA CNUMAD


     Na perspectiva da maioria dos participantes do Forum Global, a Conferência teve lugar no contexto mundial de crescente ameaça a todas as formas de vida no planeta Terra.

     No contexto brasileiro, a higiene e a segurança oferecidas aos visitantes ilustres não conseguiram ocultar ou encobrir a de­gradação e a decomposição da natureza e da vida nos morros e bai­xadas da Cidade Maravilhosa, como uma amostra chocante dos con­trastes  de  um  país, belo e rico, estruturado em favor de uma minoria privilegiada.

     Sem dúvida, os poderes da República Federativa do Brasil conseguiram demonstrar grande capacidade de organização e efi­ciência na preparação e realização da conferência da ONU e, ao mesmo tempo, um grau refinado de  cinismo, afastando indigentes e "pivetes" do espetáculo reluzente e maravilhoso do RIO CENTRO e do ATERRO do FLAMENGO.

     Conforme palavras da "CARTA ÀS IGREJAS":" com sentimento de urgência reunimo-nos na Baixada Fluminense...uma região conhecida por uma profunda degradação das condições de vida da maioria da população ...juntamente com elevados índices de poluição que de­grada o meio ambiente. Isto foi simbólico para nós , pois onde quer que se negue aos seres humanos sua dignidade criada por Deus, tambem se nega a dignidade ao  restante da criação". "Vinte anos após a Conferência de Estocolmo...nenhuma tendência impor­tante de degradação ambiental foi revertida. Hoje toda a vida está ameaçada num grau bem mais elevado. Muitas espécies de ani­mais e plantas foram extintas. A poluição da água , do solo e do ar é maior do que nunca. A desertificação e o desmatamento se aceleram. Enormes quantias de dinheiro gasto em armas e na mili­tarização continuam a exaurir recursos desesperadamente necessá­rios...O ônus da dívida dos países pobres tornou-se cada vez mais asfixiante. A fome aflige um número crescente de pessoas, não apenas na Ásia, África e América Latina, mas tambem nos países da Europa Oriental, no  Oriente Médio, no Extremo Oriente, no Caribe e até dentro das nações afluentes do assim chamado "Primeiro mundo"."



4.PERSPECTIVAS E PROPOSTAS PARA TESTEMUNHO E AÇÃO DOS CRISTÃOS 



     Inspirando-me  em  documentos  elaborados  por  ocasião   da 

CNU­MAD, convido fraternalmente os irmãos e irmãs do Comitê Central do CMI a perceber que as situações de crise sempre trazem em seu bojo sementes de renovação.

     Iluminados pela Fé, os acontecimentos e situações da histó­ria humana sempre manifestam a presença de Deus chamando-nos à vida em comunhão, pois nos fez à Sua imagem e semelhança.

     A grave crise ecológica está  produzindo convergência e ofe­recendo base para o entendimento entre os povos. Somos forçados a tomar consciência dos limites da natureza e da autonomia de cada nação.

     Nenhum povo consegue fechar suas fronteiras e permanecer imune às consequências de uma catástrofe ecológica. Nem mesmo as ilhas do Pacífico ou do Caribe estarão a salvo dos danos causados pela contaminação da terra. Da mesma forma, nenhuma Nação ou Es­tado permanecerá, por muito tempo, próspero e em paz, sem o res­gate de mais de  um bilhão de pessoas humanas, amadas por Deus em Cristo  como filhos e filhas, condenadas a definhar na indigên­cia, sofrendo a negação e o aviltamento de sua dignidade.

     O atual modelo de desenvolvimento da ordem econômica internacional é insustentá­vel. Mais do que isso: criminoso e blasfemo! Arranca as raízes da vida e elimina a esperança da face da terra. Sòmente podemos aceitar um modelo de desenvolvimento  que garanta os direitos de toda a humanidade com justiça, paz e  integridade da criação.

     Vivemos um momento rico de esperança. Não há mais tempo para fantasias e insensibilidade. Ninguém mais conseguirá dormir tran­quilamente. As sirenes nos convocam para a vida e a paz!

     A utopia do "pão nosso de cada dia" será a estrela que con­duzirá a humanidade ao encontro da criança-vida!

     A Carta às Igrejas apresenta a perspectiva para nosso com­promisso: " E as crianças, o que diremos às crianças e às ge­rações vindouras? Chegamos...à conclusão de que o sistema domi­nante está explorando a natureza e os povos em escala mundial..."

     "É extremamente urgente - continua o documento - que nós como Igrejas, assumamos compromissos espirituais, morais e mate­riais vigorosos e permanentes, com o surgimento de novos modelos de sociedade, baseados numa profunda gratidão a Deus pela dádiva da vida e no respeito pela totalidade da criação ".

     Sem dúvida cabe-nos urgir e incentivar a atuação política dos cristãos junto aos parlamentos e governos de seus países afim de que as convenções e documentos da CNUMAD sejam assinados, ra­tificados e implementados nos vários níveis de ação que exigem.


5.UM NOVO JEITO DE SER IGREJA    


     "A voz de Deus também convida à conversão a própria Igreja. Os cristãos não  estão isentos de responsabilidade em relação aos modelos de desenvolvimento que têm provocado os desastres sociais e ambientais em que nos encontramos" (CNBB - Comunicado final do  Seminário sobre Ecologia e Desenvolvimento).

     Como expressão de auto-crítica, a nossa "Carta às Igrejas" lembra que, no testemunho e no anúncio da Fé,  é importante estar sempre atento à contribuição da ciência e ao clamor do povo.

     "Não ousamos negar nosso próprio papel como Igrejas na crise que agora nos assola. Nós mesmos não proferimos a palavra profé­tica. Na verdade, nem mesmo a ouvimos quando foi dita por outros recentemente, incluindo uma série de cientistas. E muito menos demos ouvido aos clamores dos povos indígenas, que nos disseram durante séculos que a modernidade iria sujar seu próprio ninho e devorar seus próprios filhos. Assim precisamos sentir pesar e nos arrependermos" ( Carta às Igrejas ).

     Um jeito novo de ser Igreja se faz necessário, afim de que a comunidade eclesial passe a ser o espaço em que todos possamos aprender de maneira nova o que significa a aliança de Deus com todas as criaturas.

     A redescoberta da dimensão ecocêntrica e das limitações da natureza devem nos levar a  apreciar e cultivar um estilo de vida sem ganância ou esbanjamento, aprendendo a amar e a tratar a terra com gentileza, como o  faz o próprio Deus. Podemos falar de uma nova espiritualidade.        

     "O Espírito é doador e mantenedor da vida. Tudo o que fo­menta a vida, como a justiça, solidariedade e amor, e  tudo o que defende a vida, como o compromisso evangélico de posicionamento ao lado dos pobres, a luta contra o racismo e o sistema de castas e o compromisso de reduzir os armamentos e a violência - tudo isso significa concretamente viver de acordo com o Espírito. Para o cristão, isto é mais do que um ato político: é uma prática es­piritual. Mais ainda, viver de acordo com o Espírito é captar sua presença em toda a criação" (Carta às Igrejas).

     "Como seres humanos somos convocados a desenvolver uma cons­ciência criatural onde a criação deixa de ser vista como objeto de domínio. Ela é um dom de Deus que deve ser acolhido com reve­rência, respeito e louvor. Sòmente a vivência dessa relação do ser humano com a criação possibilitará novas relações sociais e ambientais e um novo tempo de paz e justiça. É neste contexto que recebem seu pleno significado as palavras de Cristo:"Eu vim para que todos tenham vida, e vida em abundância" (Jo.10,10). Com sua Ressurreição Êle inaugurou "o novo céu e a nova terra"(Apocalipse 21,1) que agora somos chamados a construir com a força de Seu Espírito" (Comunicado final do Seminário sobre Ecologia e Desenvolvimento - CNBB).

     As celebrações da Igreja deveriam valorizar o uso de elemen­tos materiais e cultivar a capacidade de escuta para entrar em sintonia com a sinfonia cósmica regida pelo Espírito. Ao mesmo tempo, uma atitude penitencial deverá nos conduzir à reconci­liação entre mulher e homem, entre raças, culturas e povos, aprendendo a manter uma postura de encantamento e de louvor pe­rante todo o ser e todo o conjunto de seres. Somos o corpo de Cristo e membros do templo cósmico de Deus!


6.CONCLUSÃO


     Louvo ao Senhor da História pela graça do encontro realizado na Baixada Fluminense. Os humildes e marginalizados foram reco­nhecidos como irmãos pelas mulheres e homens vindos ao Rio de Ja­neiro dos quatro cantos da terra. Louvemos, também, ao Senhor, pois o testemunho e o jeito das Comunidades dos pobres, podem inspirar a toda a Igreja de Cristo um jeito novo de ser!

     Igreja animada pelo Espírito da Ressurreição. Igreja que proclama a fidelidade de Deus, Sua misericórdia e parceria com o povo que caminha na história. Igreja que na fraqueza e na igno­rância dos pequenos proclama a manifestação da força e da sabedo­ria de Deus.

     Igreja que se alegra com o pluralismo e com a diversidade. Ao mesmo tempo, Igreja comprometida com a igualdade das pessoas e que não faz distinção ou discrimina quem quer que seja. Igreja em que mulheres e homens se descobrem, para alegria de todos e vida do mundo, ministras e ministros do Evangelho. Igreja verdadeira­mente católica, ecumênica e ministerial.

     Igreja que não coloca esperança no ouro, na sabedoria, no prestígio e no poder. Igreja decididamente comprometida com a vi­vência, testemunho e serviço à vida em comunhão. Igreja do pão abençoado, partido e repartido por todos e para todos. Igreja so­lidária com as alegrias e dores da família humana.

     Igreja sempre a caminho...em busca do novo! Como uma criança que aprende a correr para abraçar o horizonte!

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Reunião do Comitê Central - Conselho Mundial de Igrejas

Genebra, 22 de agosto de 1992

+ Mauro Morelli - 1º bispo da Igreja Católica Apostólica

de Comunhão Romana em Duque de Caxias e São João de Meriti



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terça-feira, 19 de junho de 2012


A águia da Mantiqueira



Altaneira e soberana, com dois metros e vinte de envergadura, sobrevoa e vigia a natureza exuberante e bela da Serra da Mantiqueira. Revestida de luz, como um raio, mergulha certeira sobre o banquete da vida.

Não saberia dizer se minha visão remonta aos idos de antanho ou, recente, fruto dos devaneios de uma tarde de verão nas fraldas da serra que chora suas saudades.

Harpia harpyia, a águia da Mantiqueira, manifestação soberba de força e de beleza, com duplo penacho, bico e garras fortes e aduncos, pertence à família dos Acipitrídeos. Também conhecida como gavião real, uiraçu e cutucurim. A fêmea é rainha inconteste, ultrapassando o macho em tamanho.

Outrora, uma presença esplendorosa nos céus e matas da Mantiqueira; a Harpia harpyia encontra-se, hoje, em cativeiro ou cruzando para sempre nossos confins. Desfeita a cadeia alimentar, não sobrevive com rações básicas e minguadas. Como rainha, exige abundância e festa.

Os predadores ou regentes do equilíbrio necessário ao ecossistema não resistem ao esbanjamento da ganância humana e conseqüente degradação do meio ambiente. Oxalá, reis e rainhas da economia neoliberal globalizada aprendam da Harpia harpyia, dos gaviões reais, de outros abutres e predadores da natureza, o sentido da interação que faz do planeta um lugar de tanta vida e beleza.

Após séculos de rapina e saque de nossas riquezas, nossa gente busca sobreviver além fronteiras do próprio ninho. Povos dizimados e migrantes forçados já não cantam a beleza das aves, nem ouvem os trinados e gorjeios dos pássaros. Às margens dos rios poluídos da Babilônia, choram saudades dos tempos em que cachorros eram amarrados com lingüiça e crianças curtiam as delícias da vida colhendo frutas silvestres em campos e bosques.

Seduzido pela águia, sonho com um mundo sem fome e sem a guerra que traz morte e infortúnio. Banhando-me nas águas límpidas de uma cachoeira, celebro o batismo da comunhão com a natureza. Ouso imaginar a Harpia harpyia símbolo novo dos povos e das terras do continente brasileiro e sul-americano.

Oxigenado pela pureza dos ares e embalado pela carícia da brisa quente, ecoa pelo vale o grito que brota de meu peito: Hárpia! Harpyia, pyia, pyia, pyia!!! Após longo silêncio, ouve-se um novo grito no embalo do eco que enche o vale de melodia: Cutucurim! curim... curim... curim!!!

Em busca de um novo hino e de uma nova bandeira nesta passagem de milênio, a Harpia harpyia seja símbolo de um modelo de desenvolvimento que nos garanta a produção e o acesso ao alimento que nutre e sustenta a vida. Reverente às fontes da vida, reconheça às gerações futuras igual direito ao oxigênio, à água e aos frutos da terra.

Na esteira do Movimento pela Ética na Política, não desistamos de abrir estradas para que a organização econômica, social e política do país tenha como fundamento o respeito às diferenças e igual empenho em eliminar as desigualdades entre indivíduos e regiões da mesma Pátria.

Assim como a águia não vive sem a pujança da Mantiqueira, a política de segurança alimentar nutricional sustentável é um dos pilares da democracia, ou seja, da liberdade de viver com dignidade e esperança. Por este eixo do desenvolvimento passa o caminho da paz, pois garante um direito humano básico a toda e qualquer pessoa. Criança, em qualquer classe social, tem igual direito ao alimento e à nutrição. O idoso de qualquer raça ou profissão não mais produz, mas tem direito ao pão de cada dia. Sem alimento, nenhum enfermo se liberta de seus males. Comer é viver. A vida é comunhão. Um banquete!

Ao cruzarmos a fronteira de um novo milênio que o Senhor da Vida nos conduza aos rincões, serras e picos da Mantiqueira. Majestosa entre nuvens e raios de sol, que a sua beleza nos fascine e nos revele o segredo de tanta grandeza.

Com luzes, preces e abraços saudemos o novo milênio, comprometidos com o retorno da águia da Mantiqueira a seu ninho. Assim, teremos vida para as crianças e não morrerá a esperança do povo.



Dom Mauro Morelli – bispo diocesano em Duque de Caxias – 25/12/2000
Nota: Quase doze anos depois a Águia da Mantiqueira continua o símbolo do meu compromisso e dos meus sonhos. Caminho na esperança de um mundo livre da degradação ambiental, da exclusão social e dos males da fome.
Torno público este texto no meu blog em referência à Conferência da ONU RIO + 20.
Em breve, espero publicar um novo texto. Ambos permitirão vislumbrar o que está sendo orquestrado em parceria entre INSTITUTO HÁRPIA HARPYIA, por mim fundado, e PROCEMPA, Empresa de Tecnologia de Informação e Comunicação do Município de Porto Alegre, comprometida com a promoção da cidadania e revestida de elevado padrão ético.
Quem sabe no Dia da Criança vamos inaugurar um Centro de Convergência Virtual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável, aberto à participação dos povos do mundo.





sábado, 2 de junho de 2012

Mensagem ao Pastor Fredrik Lautmann


Caríssimo irmão e amigo, 

a comemoração dos teus 40 anos de ministério à luz da Palavra (2 Tm 3,14-17) que iluminou teu caminho desde a primeira hora, é ocasião bendita para louvar e bendizer o Senhor, doador de todos os bens, porque pousou sobre ti o seu olhar amoroso e te chamou, desde tenra idade (Lc1,76-77), ao serviço do Evangelho.  

Recordo-me de tua presença fraterna em nossa Igreja, em São Paulo, no início de meu ministério episcopal. Amigo e companheiro de Dom Paulo, nosso cardeal arcebispo, em dias de grande tribulação.
                 
Tua compreensão do pluralismo e amor pela diversidade na Igreja de Cristo, um testemunho fiel do apreço pela sua unidade. Caminhando na fé que herdaste de tua família e de teu povo, teu coração foi sempre aberto e acolhedor para com outras heranças e legados. Deus seja louvado pela presença      fraterna e carregada de esperança em tantas oportunidades que o Senhor te proporcionou ao longo destes anos.
                 
Sempre atento à Palavra do Senhor dispensaste muito tempo e energia para partilhar a Palavra que é "lâmpada para os passos e luz para o caminho"(Salmo 118). Quantos encontros, seminários e retiros promoveste para ajudar as pessoas a levantar e a caminhar nas trilhas do Reino.

Ao lado de tua esposa, nossa querida amiga Charlotte, à luz da Palavra formaste tua própria família "ensinando-a, corrigindo-a, educando-a no caminho da justiça para qualquer boa obra".
                 
Tua generosidade e amizade nos oferecia oportunidade de participar "ao vivo e em cores" do júbilo e das celebrações que comemoram tão preciosa efémeride. Minha irmã Tereza e eu atravessamos uma etapa nova no processo da vida, reconhecendo que Deus tem sido para conosco sábio, amoroso e     misericordioso. Contudo, não nos sentimos com força para realizar esta longa viagem neste momento.
                 
Que a tua família e a tua Igreja saibam que nós o amamos como a  um irmão muito querido, bem como a Charlotte, tua esposa, a mulher bendita que o Senhor colocou a teu lado. Partilhamos da      alegria de teus filhos e filha, netos e netas.
                 
Recebam nosso abraço, acompanhado de preces e de votos de saúde e paz. Que o Senhor nos conceda a alegria de novos reencontros seja aqui ou em tua terra.

Permaneçamos unidos no serviço à esperança expressa no clamor pela vida de nosso povo: Vem, Senhor, Jesus.
                

Tereza e   +Mauro, bispo emérito da Igreja Católica Apostólica de Comunhão Romana em Duque de Caxias, RJ, Brasil
                  
Indaiatuba, SP, 02/06/2012


    

quarta-feira, 9 de maio de 2012

ENTREVISTA DOM MAURO MORELLI


Cultivar, Nutrir e Educar: alimentação saudável para alunos da rede estadual e fortalecimento da agricultura familiar



Com o objetivo de garantir aos alunos da rede pública estadual o direito à alimentação saudável e adequada e fortalecer a agricultura familiar, o Governo de Minas lança, nesta quarta-feira (09), em Viçosa, o Programa Estruturador Cultivar, Nutrir e Educar. Em sua primeira fase, a iniciativa vai contemplar 45 municípios, sendo dez na Zona da Mata mineira. Em entrevista exclusiva para o Diário Regional, Dom Mauro Morelli, bispo emérito de Duque de Caxias (RJ) e presidente do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas Gerais (Consea-MG), destaca a importância de ampliação de um diálogo intersetorial, para proporcionar a otimização e a sinergia dos recursos públicos, através de ações regidas por valores compatíveis com os direitos humanos e a segurança alimentar e nutricional.  





- Quais as bases do Programa Estruturador Cultivar, Nutrir e Educar (PCNE)?



Dom Mauro Morelli - O Programa tem como base a melhoria das condições de alimentação, nutrição e saúde da população, mediante a promoção de práticas alimentares adequadas e saudáveis. É importante ressaltar a relevância da iniciativa mineira ao criar o PCNE, contemplando o binômio indissolúvel Educação e Nutrição, garantindo o direito ao alimento saudável, adequado e solidário para os alunos das escolas públicas estaduais de educação básica.  O programa pretende também fortalecer a agricultura familiar no Estado.

Outro destaque importante é a ampliação do diálogo entre os diversos setores, proporcionando a otimização e a sinergia dos recursos públicos, através de ações regidas por valores compatíveis com os direitos humanos e a soberania alimentar.  





- A descentralização das ações é uma das estratégias adotadas pelo governo para a implementação do programa. Quais resultados são esperados a partir dessa iniciativa?

Dom Mauro Morelli - O Programa Estruturador Cultivar, Nutrir e Educar tem caráter intersetorial, abrangendo as áreas de agricultura, saúde e educação, e adota como estratégia principal a articulação com as Secretarias de Estado executoras e demais órgãos e setores envolvidos. Esse formato descentralizado e intersetorial, permite que sejam executadas ações que englobam as seguintes vertentes: fomento à produção de alimentos saudáveis, adequados e solidários, provenientes da Agricultura Familiar para o abastecimento da rede pública de ensino; atendimento parcial às necessidades nutricionais dos alunos, de acordo com o tempo de permanência na escola; educação alimentar e nutricional e promoção de hábitos saudáveis; identificação de distúrbios nutricionais e encaminhamento à atenção básica; promoção de ações educativas em Vigilância Sanitária de alimentos.

Trata-se de um grande avanço para a construção de políticas intersetoriais e amplia o horizonte para que outras ações como esta surjam e se fortaleçam. Esta é uma demonstração de que é possível a intersetorialidade de políticas universais que promovam o desenvolvimento das pessoas, a inclusão social e ampliem a disponibilidade e o acesso aos alimentos.

É sabido que não há educação sem que a pessoa tenha sido bem concebida, gestada e desenvolvida. Isto é, sem que o corpo, alma e espírito sejam devidamente alimentados e nutridos. Por outro lado, não há nutrição sem educação. Consideramos a educação como processo motivador que leva a pessoa a assumir a sua vida, isto é, aprender a se relacionar consigo mesma, com seu semelhante, com o chão que a sustenta, de forma harmoniosa. É também por meio de um processo permanente de educação alimentar e nutricional, que o caminho da saúde é percorrido ao longo da vida. Não se trata apenas de aprender algumas boas práticas, mas de fazer uma opção pela vida em tudo o que somos, temos e fazemos.



- Quais municípios da Zona da Mata serão atendidos pelo programa nessa primeira fase e como foram selecionados?



Dom Mauro Morelli - Inicialmente, o Programa será executado em 45 municípios das Regiões Norte de Minas, Zona da Mata, Rio Doce e Jequitinhonha/Mucuri. Na Zona da Mata serão contemplados, além de Viçosa: Araponga, Carangola, Divino, Ervália, Espera Feliz, Fervedouro, Miradouro, Muriaé e São Miguel do Anta.



Entre os critérios estabelecidos, estão os indicadores selecionados pelas secretarias gestoras do Programa Estruturador Cultivar, Nutrir e Educar, como o número de escolas estaduais, alunos, taxa de internação por desnutrição infantil, índice de segurança alimentar e número de agricultores familiares, entre outros.



A partir de 2013, as ações serão ampliadas a outros municípios, de acordo com esses mesmos critérios, preestabelecidos pela gerência do programa.





- Como o Estado espera fortalecer a agricultura familiar a partir do programa Cultivar, Nutrir e Educar?



Dom Mauro Morelli - Como uma das prioridades do Programa Estruturador Cultivar, Nutrir e Educar é contribuir para a compra da produção da agricultura familiar pelas escolas, isto estimulará os agricultores familiares a produzirem mais e melhor. Esse estímulo garante também a segurança alimentar e nutricional da família do pequeno produtor, que consome e comercializa o excedente da produção. Assim, o PCNE representa uma excelente oportunidade de comercialização para a agricultura familiar. É um mercado garantido, pois se trata de um recurso público determinado por legislação federal. Os agricultores familiares têm a oportunidade de planejar a sua produção. As vantagens são inúmeras: melhora a qualidade da alimentação, aquece a economia local, fortalece a agricultura familiar, contribui para diminuir o êxodo rural, etc.





- Como se dará a operacionalização do Programa?

Dom Mauro Morelli - O primeiro passo é a realização dos quatro seminários regionais. Dois deles já foram realizados (em Taiobeiras e em Ipatinga) e, além de Viçosa, que sedia o evento nesta quarta e quinta-feiras, Capelinha também será sede, nos dias 30 e 31 de maio. Os seminários têm como objetivo o fortalecimento das parcerias na região e a divulgação das informações necessárias ao desenvolvimento do programa.



O segundo passo será a definição do Comitê Gestor local, que será presidido por um membro do poder público estadual e deverá ser composto por representantes do Governo e da Sociedade Civil (Emater, Secretaria Municipal de Saúde, Secretaria Municipal de Agricultura, IMA, Escolas Estaduais, Conselhos Municipais de direitos deliberativos de políticas públicas sociais, sindicatos de trabalhadores rurais, associações e cooperativas da agricultura familiar, entre outras instituições). O Comitê será responsável pela elaboração do “Plano de Ação”, um planejamento de todas as ações necessárias para atingir o resultado desejado. O plano deve contar com objetivo, ações, cronograma e estratégias. O quarto passo é a execução das ações previstas nos projetos e processos, sob a responsabilidade das Secretarias de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento; da Saúde; e de Educação.   



- Quais ações o Consea-MG já desenvolve para garantir o direto humano à alimentação no Estado e os resultados?



Entre as ações estão o acompanhamento das políticas públicas e programas da Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável (SANS), sua implementação, monitoramento e  controle social. Em Minas Gerais os avanços foram promissores. Como marco histórico, a promulgação da Lei 15.982/06, que inova com a criação da política e do sistema estadual de SANS, instituindo as CRSANS (Comissões Regionais de SANS - Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável). Dessa forma, garantindo o funcionamento de um sistema que abarca a elaboração da política estadual de SANS ao controle social, com participação popular. Posteriormente, a construção do PESANS (Plano Estadual de SANS), respeitando as diversas etapas exigidas na consecução da política pública. Transformando, assim, o primeiro Estado da Federação brasileira a instituir em lei a política de SANS e a garantir o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA). Em 2011, o Consea-MG, sentindo a necessidade de avançar mais, propôs ao governo de Minas a criação da Subsecretaria de Estado de Agricultura Familiar e foi atendido. Além disso, solicitou a criação do Comitê Temático de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável (CTSANS), com vistas a articular a política  no âmbito estadual.

terça-feira, 10 de abril de 2012

OS PÉS DE CRISTO





" Como são belos sobre as montanhas

  os pés do Mensageiro da Paz".

     Is. 52,6





Pés tenros de criança

acariciados pela mãe.

Pés sujos de menino

brincando em Nazaré.

Pés firmes de moço

pisando os caminhos do Pai.

Pés tostados nas areias

do mundo dos homens.

Pés encardidos nas caminhadas,

viajantes no fazer o bem.

Pés do Pastor

feridos por espinhos e pedras

nas encostas,

nos vales,

procurando ovelhas perdidas

de Israel.

Pés lavados no Jordão

e no mar da Galiléia,

santificando as águas.

Pés ligeiros

no visitar amigos,

curar enfermos,

consolar aflitos.

Pés galgando montes

para vigílias de preces.

Pés de gigante,

devorados pelo zelo

da casa do Pai,

contidos diante do cinismo

dos fariseus,

beijados pelas pecadoras,

perfumados pelo amor da Madalena.

Pés angustiados

atravessando o Cedron

a caminho do Horto,

sangrando

na trilha do Calvário.

Pés redentores,

partidos,

fixados na Cruz,

para que nossos pés fossem livres.

Cristo,

eloqüentes os teus pés

que, reverentes,

em gratidão beijamos!





+ Mauro Morelli - peregrino do Evangelho

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Quaresma e Campanha da Fraternidade

Povo saudável, inteligente, criativo e bem humorado


Com a imposição das Cinzas abre-se a Quaresma como tempo forte de conversão ao Evangelho. Tempo de preparação para a celebração da Páscoa através da escuta da Palavra, da oração frequente e da partilha do que somos e do que temos. Tempo de misericórdia recebida, celebrada e vivida.

Um caminho de reencontro com o sentido mais profundo da vida em confronto com as exigências do Reino da Verdade e Vida, da Justiça e Paz, da Reconciliação e Misericórdia.

No Reino não haverá lugar para mentira e falsidade, nem para soberba e prepotência. No Reino não haverá excluídos e marginalizados, nem violência, fome e morte.

No Reino não  mais Senhores  e  Mestres, Reis e Sacerdotes. "Sois todos irmãos e irmãs"(Mt.23,8). Nem mais, sagrado e profano. Assim aprendemos a orar: Venha Teu Reino, Senhor.

A Páscoa é celebrada nos sacramentos da Fé no seio da Igreja. Pelo Batismo mergulhamos na morte de Cristo e ressurgimos com Ele para uma vida nova. Em cada Eucaristia celebramos a Páscoa anunciando a sua plenitude. Em cada sacramento somos configurados nEle para a vida e a missão em Seu Nome.

Nesse contexto, na Quarta feira de Cinzas, a partir de 1964, a Igreja Católica no Brasil lança a Campanha da Fraternidade apontando uma forte exigência da fraternidade.

A caminho do cinquentenário desta bendita campanha, uma boa avaliação certamente poderia contribuir para maiores frutos e mais participação. Por que não realizá-la durante o tempo pascal, permitindo que a Igreja na Quaresma avançe mais no caminho de sua própria conversão ao Evangelho da Vida em comunhão fraterna e solidária?

Quaresma é peregrinação no deserto com suas tensões, privações e tentações. Um tempo de reconciliação e de renovação da Aliança dentro da própria Igreja e de suas Comunidades.

Na manhã de Páscoa os discípulos partiram em missão, tendo um só coração. O tempo pascal é por excelência o tempo de anúncio, testemunho e serviço, não de férias coletivas e de recesso!

Neste ano a Campanha da Fraternidade traz uma grande súplica: "Que a saúde se difunda por toda a terra" (Eclo 38,8), apontando a saúde pública como exigência da fraternidade e da dignidade comum a mulheres e homens.

A leitura transversal do texto base, por muitos provavelmente desconhecido, deu-me a impressão que falamos de saúde, quando em verdade discutimos o que fazer com as doenças.  O texto biblico escolhido é uma exaltação do papel do médico e dos farmacêuticos na cura das doenças.

O próprio governo trabalha mais a doença, fruto de muito desgoverno. Por impossibilidade genética de agir transversalmente, não temos Ministério da Saúde, mas da Doença. Menos, ainda, postos de saúde!

Por ouro lado, teríamos de fato uma Pastoral da Saúde? ou, em verdade, apenas uma, também necessária, Pastoral dos Enfermos? Embora o texto base, com precisão, faça referências preciosas sobre saúde e pastoral da saúde, em seu conjunto resvala para o "tsunami" de doenças que arrasam com nosso povo.

Interessante a chave de leitura a partir dos objetivos do milênio, comumente confundidos com metas. Embora o texto base não faça o destaque, como o fez do quarto ao sétimo, os três primeiros objetivos tratam do fundamento da saúde pública (alimento, educação e a mulher). Podemos sintetizá-los num binômio indissolúvel, ou seja, Educação e Nutrição.

Não há educação sem que a pessoa tenha sido bem concebida, gestada e desenvolvida, isto é, sem que o corpo, alma e espírito sejam devidamente alimentados e nutridos. Por outro lado, não há nutrição sem educação; se considerarmos a educação como processo motivador que leva a pessoa a assumir a sua vida, isto é, aprender a se relacionar consigo mesma, com seu semelhante, com o chão que a sustenta, de forma harmoniosa.

A saúde é resultante da capacidade de administrar diferenças e tensões normais à condição humana. O jogo de cintura ou namoro é imagem desse processo de relacionamento em que ninguém se anula e uma aliança é estabelecida. Um fruto salutar, desde que não se negue a própria identidade.

O caminho da saúde é percorrido ao longo da vida através de um processo permanente de educação alimentar e nutricional. Não se trata apenas de aprender algumas boas práticas, mas de fazer uma opção pela vida em tudo o que somos, temos e fazemos.

Mais do que matérias num currículo, um projeto pedagógico teórico e prático que involva todas as dimensões da vida e que, primordialmente, se realiza na família e na escola. Sem isto, impossível sonhar com os demais objetivos relacionados às doenças.

O meio ambiente é determinante para a saúde, devendo ser tratado como fonte de vida, não como matéria prima capitalizada. Recordando Paulo VI, na Populorum Progressio, questionemos o próprio conceito e modelo de desenvolvimento.

Em que medida colocaria alimento saudável e adequado na mesa do povo. As fontes da vida serão tratadas com reverência e parcimônia para uma vida frugal? Cuidado com o novo discurso da sustentabilidade! Uma nova versão da Revolução Verde?

Seremos um povo saudável, inteligente, criativo e bem humorado, se fizermos a opção pela vida (Dt. 30,19). Escolher a Vida como Povo, como Família e como Pessoa. Escolha que se expressa no pacto social que fundamenta a constituição do Estado e a formação de governos a serviço do bem comum da Nação.

Ao ler o texto base me perguntava sobre o destino do Mutirão Nacional para Superação da Miséria e da Fome, segundo proposta votada pela Assembléia Geral ao celebrar seu jubileu de ouro (documentos da CNBB nº 69).

Não me parece que tenhamos evoluido na compreensão de que a garantia do direito humano ao alimento e à nutrição é a base da saúde e da própria democracia. Uma questão de direito, não de caridade ou de assistência. Na ponta da cauda das doenças, miséria, fome, ignorância e falta de higiene. Embora tenhamos percorrido um bom caminho, a estrada que nos conduz à superação da miséria e dos males da fome ainda tem que ser percorrida por um bom tempo. Assustam-me certas afirmações e dados estatísticos.

Ao mencionar dois milhões de pessoas morrendo anualmente por causa da poluição da água e do ar (alimentos), nenhuma referência ao escândalo de um bilhão de famintos em nosso planeta. Nenhuma desgraça desfigura tanto o ser humano quanto os males da fome, segundo Josué de Castro.

Bento XVI, na Encíclica Caridade na Verdade (nº 27), nos recorda que a fome é uma questão ética para a Igreja. Quem trabalha para a superação da miséria e dos males da fome, trabalha pela preservação do planeta e pela paz. A vida é um processo permanente de alimentação. Alimento é vida. Alimento é caminho da paz.

Assim como Zacarias (8), imaginemos as praças de nossas cidades com pessoas muito idosas e saudáveis e crianças vigorosas brincando. Com o profeta Isaías (58) proclamemos iluminadas as pessoas que partem e repartem o seu bocado com os famintos. Ainda, com Isaías (65), com vigor brademos que nenhuma criança é concebida e dada à luz para viver uns poucos dias. Jovem ainda, quem morrer aos cem anos de vida!

Viva a Vida! Honremos a memória e o legado de Dom Luciano.
Indaiatuba, 22 de Fevereiro de 2012, na abertura da Quaresma.

+Maurus, olim episcopus ecclesiae caxiensis.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Dom Luciano, rogai por nós!




Quem não reconhece que Dom Luciano foi exímio na caridade, a tal ponto que o bom samaritano e pastor, quando chegava no horário, estava com 24 horas de atraso?!

Após dia intenso de serviço na vasta Arquidiocese de Mariana, passava a noite num ônibus a caminho de São Paulo para acudir alguém aflito pelos desencontros da vida.  Como esquecer os desastres nas estradas tortuosas e os longos calvários?

Um santo que acumulava agendas de jesuita para bispo auxiliar, de secretário geral  e presidente da CNBB para arcebispo de Mariana.

Sempre cercado de gente sofrida e excluída, pagando uma média para algum faminto e apartando briga de "embriagados"nas madrugadas frias da Paulicéia. Em Roma, cultivava as mesmas predileções.

Acima de tudo um mártir da colegialidade episcopal à frente da CNBB, por dezesseis anos, atento aos bispos e paciente no diálogo com a Cúria Romana.

Quantas vezes, hóspede da CNBB, durante governo Itamar, não levantava sua cabeça pousada sobre a Liturgia das Horas para recomendar-lhe que Deus também se agrada quando deitamos a cabeça no travesseiro. Em Itaicí, já tarde da noite, o acompanhava até ao refeitório dos jesuitas para que tomasse algum alimento.

Meu santo irmão, Dom Luciano, rogai por nós! Ate fiquei bispo por causa de tua mãe.Te recordas Padre Mendes, da assembléia do episcopado paulista em junho de 1971?

Rogai por nós, sim. Com tua capacidade de síntese e coração misericordioso, transformavas palhas em limalhas de ouro. Nem os chifres do demônio eram desperdiçados.

Como poucos, ousaria dizer, privei da intimidade e das confidências de Dom Luciano. Quantas memórias benditas de um homem portador de luz e incapaz de guardar amarguras.

Sua primeira entrevista como secretário geral foi cercada de fumaça; não de incenso, mas das baforadas de jornalistas que não entendiam o milagre da sua eleição. Levou tempo para que prevalecesse o incenso.

Rogai por nós, santo malabarista. Como foi hábil em Puebla. Sua habilidade era exercida com grande humildade.

Roga por mim, irmão e amigo Luciano! Te alegravas porque "não me tinha corrompido" ocupando uma cadeira no Palácio do Planalto.

Sempre é perigoso ser bispo, também despojado da glória e do poder que circundam os bispos no comando da barca que lhes foi confiada. Perigosa a corrupção que nega a colegialidade e impede a comunhão.

Nesta manhã, antes de escrever um comentário sobre o texto base da Campanha da Fraternidade, fui levado a invocar Dom Luciano.

Quem puder entender, entenda.

Indaiatuba, SP, 21 de Fevereiro de 2012 - Feriado do Carnaval

+ Mauro Morelli, bispo católico e peregrino




quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Perdemos Dom Ladislau, bispo de São José dos Pinhais (PR) e da CPT Nacional


Caros companheiros,
que surpresa nesta segunda feira. Um homem maduro e sazonado foi colhido para o Reino da Vida. Associo-me à CPT na sua dor pela partida de Dom Ladislau. O MST e as Pastorais Sociais sempre contaram com sua adesão às caminhadas necessárias para o reconhecimento do direito de cidadania de nossa gente.
Rendamos graças pelo seu testemunho e pelo seu legado. Minha solidariedade ao povo da Diocese de São José dos Pinhais onde marcou presença durante anos como bispo auxiliar e seu primeiro bispo.
Em sua memória caminhemos na  esperança de uma nova terra sem males, sem exclusão e sem fome.
Na fraternidade de Cristo, com um abraço fraterno, preces e votos de Paz e Bem.

+Mauro Morelli
1º Bispo da Diocese de Duque de Caxias - Emérito
Indaiatuba, SP, 13 de fevereiro de 2012