quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Quaresma e Campanha da Fraternidade

Povo saudável, inteligente, criativo e bem humorado


Com a imposição das Cinzas abre-se a Quaresma como tempo forte de conversão ao Evangelho. Tempo de preparação para a celebração da Páscoa através da escuta da Palavra, da oração frequente e da partilha do que somos e do que temos. Tempo de misericórdia recebida, celebrada e vivida.

Um caminho de reencontro com o sentido mais profundo da vida em confronto com as exigências do Reino da Verdade e Vida, da Justiça e Paz, da Reconciliação e Misericórdia.

No Reino não haverá lugar para mentira e falsidade, nem para soberba e prepotência. No Reino não haverá excluídos e marginalizados, nem violência, fome e morte.

No Reino não  mais Senhores  e  Mestres, Reis e Sacerdotes. "Sois todos irmãos e irmãs"(Mt.23,8). Nem mais, sagrado e profano. Assim aprendemos a orar: Venha Teu Reino, Senhor.

A Páscoa é celebrada nos sacramentos da Fé no seio da Igreja. Pelo Batismo mergulhamos na morte de Cristo e ressurgimos com Ele para uma vida nova. Em cada Eucaristia celebramos a Páscoa anunciando a sua plenitude. Em cada sacramento somos configurados nEle para a vida e a missão em Seu Nome.

Nesse contexto, na Quarta feira de Cinzas, a partir de 1964, a Igreja Católica no Brasil lança a Campanha da Fraternidade apontando uma forte exigência da fraternidade.

A caminho do cinquentenário desta bendita campanha, uma boa avaliação certamente poderia contribuir para maiores frutos e mais participação. Por que não realizá-la durante o tempo pascal, permitindo que a Igreja na Quaresma avançe mais no caminho de sua própria conversão ao Evangelho da Vida em comunhão fraterna e solidária?

Quaresma é peregrinação no deserto com suas tensões, privações e tentações. Um tempo de reconciliação e de renovação da Aliança dentro da própria Igreja e de suas Comunidades.

Na manhã de Páscoa os discípulos partiram em missão, tendo um só coração. O tempo pascal é por excelência o tempo de anúncio, testemunho e serviço, não de férias coletivas e de recesso!

Neste ano a Campanha da Fraternidade traz uma grande súplica: "Que a saúde se difunda por toda a terra" (Eclo 38,8), apontando a saúde pública como exigência da fraternidade e da dignidade comum a mulheres e homens.

A leitura transversal do texto base, por muitos provavelmente desconhecido, deu-me a impressão que falamos de saúde, quando em verdade discutimos o que fazer com as doenças.  O texto biblico escolhido é uma exaltação do papel do médico e dos farmacêuticos na cura das doenças.

O próprio governo trabalha mais a doença, fruto de muito desgoverno. Por impossibilidade genética de agir transversalmente, não temos Ministério da Saúde, mas da Doença. Menos, ainda, postos de saúde!

Por ouro lado, teríamos de fato uma Pastoral da Saúde? ou, em verdade, apenas uma, também necessária, Pastoral dos Enfermos? Embora o texto base, com precisão, faça referências preciosas sobre saúde e pastoral da saúde, em seu conjunto resvala para o "tsunami" de doenças que arrasam com nosso povo.

Interessante a chave de leitura a partir dos objetivos do milênio, comumente confundidos com metas. Embora o texto base não faça o destaque, como o fez do quarto ao sétimo, os três primeiros objetivos tratam do fundamento da saúde pública (alimento, educação e a mulher). Podemos sintetizá-los num binômio indissolúvel, ou seja, Educação e Nutrição.

Não há educação sem que a pessoa tenha sido bem concebida, gestada e desenvolvida, isto é, sem que o corpo, alma e espírito sejam devidamente alimentados e nutridos. Por outro lado, não há nutrição sem educação; se considerarmos a educação como processo motivador que leva a pessoa a assumir a sua vida, isto é, aprender a se relacionar consigo mesma, com seu semelhante, com o chão que a sustenta, de forma harmoniosa.

A saúde é resultante da capacidade de administrar diferenças e tensões normais à condição humana. O jogo de cintura ou namoro é imagem desse processo de relacionamento em que ninguém se anula e uma aliança é estabelecida. Um fruto salutar, desde que não se negue a própria identidade.

O caminho da saúde é percorrido ao longo da vida através de um processo permanente de educação alimentar e nutricional. Não se trata apenas de aprender algumas boas práticas, mas de fazer uma opção pela vida em tudo o que somos, temos e fazemos.

Mais do que matérias num currículo, um projeto pedagógico teórico e prático que involva todas as dimensões da vida e que, primordialmente, se realiza na família e na escola. Sem isto, impossível sonhar com os demais objetivos relacionados às doenças.

O meio ambiente é determinante para a saúde, devendo ser tratado como fonte de vida, não como matéria prima capitalizada. Recordando Paulo VI, na Populorum Progressio, questionemos o próprio conceito e modelo de desenvolvimento.

Em que medida colocaria alimento saudável e adequado na mesa do povo. As fontes da vida serão tratadas com reverência e parcimônia para uma vida frugal? Cuidado com o novo discurso da sustentabilidade! Uma nova versão da Revolução Verde?

Seremos um povo saudável, inteligente, criativo e bem humorado, se fizermos a opção pela vida (Dt. 30,19). Escolher a Vida como Povo, como Família e como Pessoa. Escolha que se expressa no pacto social que fundamenta a constituição do Estado e a formação de governos a serviço do bem comum da Nação.

Ao ler o texto base me perguntava sobre o destino do Mutirão Nacional para Superação da Miséria e da Fome, segundo proposta votada pela Assembléia Geral ao celebrar seu jubileu de ouro (documentos da CNBB nº 69).

Não me parece que tenhamos evoluido na compreensão de que a garantia do direito humano ao alimento e à nutrição é a base da saúde e da própria democracia. Uma questão de direito, não de caridade ou de assistência. Na ponta da cauda das doenças, miséria, fome, ignorância e falta de higiene. Embora tenhamos percorrido um bom caminho, a estrada que nos conduz à superação da miséria e dos males da fome ainda tem que ser percorrida por um bom tempo. Assustam-me certas afirmações e dados estatísticos.

Ao mencionar dois milhões de pessoas morrendo anualmente por causa da poluição da água e do ar (alimentos), nenhuma referência ao escândalo de um bilhão de famintos em nosso planeta. Nenhuma desgraça desfigura tanto o ser humano quanto os males da fome, segundo Josué de Castro.

Bento XVI, na Encíclica Caridade na Verdade (nº 27), nos recorda que a fome é uma questão ética para a Igreja. Quem trabalha para a superação da miséria e dos males da fome, trabalha pela preservação do planeta e pela paz. A vida é um processo permanente de alimentação. Alimento é vida. Alimento é caminho da paz.

Assim como Zacarias (8), imaginemos as praças de nossas cidades com pessoas muito idosas e saudáveis e crianças vigorosas brincando. Com o profeta Isaías (58) proclamemos iluminadas as pessoas que partem e repartem o seu bocado com os famintos. Ainda, com Isaías (65), com vigor brademos que nenhuma criança é concebida e dada à luz para viver uns poucos dias. Jovem ainda, quem morrer aos cem anos de vida!

Viva a Vida! Honremos a memória e o legado de Dom Luciano.
Indaiatuba, 22 de Fevereiro de 2012, na abertura da Quaresma.

+Maurus, olim episcopus ecclesiae caxiensis.

Um comentário:

  1. Dom Mauro,

    obrigado pela sua tão oportuna reflexão.
    Que todos nós, neste mundo globalizado, cada vez mais sejamos capazes de pensar a saúde do Globo, e daqueles que neles convivem, de forma plena, basilar, vigorosa, do início ao fim, do nascer ao morrer e não apenas como combate a doenças e outras mazelas atualmente tão presentes.
    Parabéns!

    Jairo Nascimento
    Betim / MG

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