terça-feira, 27 de dezembro de 2011

O Caminho da Paz



                                         

Mensagem para o Ano Novo    

O ano se abre com a celebração do XLV Dia Mundial da Paz.
Educar os jovens para a justiça e a paz, eis o desafio colocado para este ano.

No cenário internacional, em 2011, os jovens ocuparam o espaço, que bem administram, para exigir o fim de ditaduras e de poderes concentrados nas mãos de poucos.

Como bispo missionário a serviço da vida, com foco principal na promoção e defesa do direito humano ao alimento e à nutrição, encontro muitos jovens nas universidades. Embora não faça parte do meu mundo, vejo que superlotam os centros de compras e de lazer. Conectados com o mundo e ligados em redes sociais, nem sempre encontram um projeto que canalize suas energias e inquietude.

Com certa tristeza não os vejo participando tanto das Comunidades da Igreja, embora lotem espaços para curtir os Fé Shows. Não ignoro que bom número se identifica com Movimentos Eclesiais, bem  estruturados e respaldados pelo poder central da Igreja. O desafio permanente para os movimentos é a inserção na comunhão da Igreja. Redes e movimentos têm duração efêmera, por sua própria natureza. Com sabedoria e humildade, aprendemos a desconfiar da própria hora.

O que permanece é o Evangelho! A própria Igreja, através dos tempos, passa por crises benditas. Temos que aprender com Pedro Casaldáliga, a relativizar o relativo e absolutizar o Absoluto! Segundo o bispo catalão, absolutos somente Deus e a Fome. Ou seja, absoluta é a Vida, pois Deus é Vida. A fome, vontade irrenunciável de viver!

Na abertura do ano, a liturgia católica celebra a maternidade de Maria, mãe de Jesus, o Filho do Altíssimo, verdadeiramente gente como nós. Uma criança no colo de Maria ou da Benedita é sempre um sinal do caminho da paz.

A paz é verdadeira quando criança não morre criança! Pois a opção do desenvolvimento é gerar condições para que a vida seja preservada e fortalecida. Não há paz com degradação ambiental, com exclusão social, com miséria e fome. Num mundo em paz nada é desperdiçado ou acumulado. O desperdício e o acúmulo de bens geram conflitos e ameaçam o nosso próprio futuro.

Segundo a Zefa Alves de Araçuaí, ter sempre na vida o necessário, é muito! Como ensinava a cacique Rosa, num encontro de etnias indígenas do Estado de Minas Gerais, o que os olhos alcançam não cabe no estômago! Cada criança tem direito à porção indispensável e irrenunciável ao seu desenvolvimento e realização.

Bendito o mundo estruturado para acolher as crianças e garantir-lhes o espaço para se desenvolver em todas as dimensões da vida. Educação e Nutrição, binômio indissolúvel a ser entendido e respeitado, para que nossas crianças cresçam em idade, graça e sabedoria. Onde as crianças assim vivem, o povo é inteligente, saudável, criativo e bem humorado.

Vamos dialogar com a juventude, a partir da mesa da família. Não há educação sem a participação do "educando". O processo educativo me ajuda a descobrir quem eu sou; a ficar em pé para ser quem eu sou; a me relacionar com tudo e com todos, para ser quem eu sou; a levantar e caminhar cada dia, para vencer temores e angústias, mediocridade e acomodação, para que não me canse de ser quem eu sou! Relações harmoniosas me tornam saudável e pacífico.

Os jovens de nossos dias, como em todas as gerações, nascem para viver em plenitude. Dotados de energias transformadoras, dispondo de acesso ilimitado às informações, nos interrogam como as crianças sobre as ideologias que cultivamos e sobre o rumo da economia escudada com o rigor da ordem e do progresso. Bom recordar que informação submetida ao crivo do discernimento produz sabedoria. Clamam por vida com dignidade e liberdade na estrada da esperança. Nada mais nem menos, do que vida com justiça e paz.

Em 2013, no Brasil, haverá mais uma jornada mundial da juventude. Até lá muita água passará por debaixo da ponte. Os jovens podem nos surpreender e exigir que a Igreja se renove e se estruture em coerência com o Evangelho. Centralização, poder, dependência e submissão, são coisas velhas que não se harmonizam com o Reino. Comunhão, autonomia e participação são exigências do Evangelho.

Eis um novo ano! Contado a partir do nascimento de Jesus Cristo. A criança é o sinal. Nela somos abençoados com toda a sorte de bênçãos.

Quando repartires teu bocado com o faminto, tua luz brilhará (Isaias 58).
Sejamos iluminados e felizes em 2012.

+Mauro Morelli, bispo católico e peregrino
Parceiro do Povo e do Governo de Minas Gerais no CONSEA-MG e no CTSANS

Indaiatuba, SP, 27 de dezembro de 2011

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Mensagem de Natal - 2011


Viva a Vida!





Com esta mensagem de abertura do meu celular, recordo os dias de sofrimento após grave acidente automobilístico, em 2003. As noites no hospital angustiam o enfermo, pois as Trevas são a negação da Vida que é Luz. Quando amanhece o dia, o doente se alegra pois a Morte foi derrotada pela Força da Vida. Nada melhor, em cada manhã, do que celebrar a Vida e levantar para Viver.  

A caminho do Natal, oito anos após atravessar o vale da morte, recordo o anúncio de Isaías: O povo que andava nas trevas viu uma grande Luz! A criança nascida em Belém, tendo crescido em idade, graça e sabedoria, peregrinando no meio de sua gente, assim define sua missão: Eu vim para que tenham Vida e a tenham em abundância.

Em homenagem a um companheiro muito querido, Pedro Casaldáliga, transmito a máxima que norteou seu caminho: Absolutizar o absoluto e relativizar o relativo! O que é absoluto, segundo o profeta do Araguaia? Deus e a Fome!

Como Deus é Vida e a Fome é vontade de viver: Absoluta é a Vida ! Na família, na sociedade e na Igreja, absoluta é a vida! Tudo o mais é relativo, segundo o próprio Evangelho.

Para os governantes absoluta é a vida de seu povo. Em que medida, por exemplo,  o Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado e os planos intermediários expressam que a razão de ser do próprio governo é a vida do povo? A maior riqueza de  um Município, Estado ou País, é a sua sociobiodiversidade. Negócio da China se realiza, pois, no interior de sua jurisdição, não além fronteiras.

Ser cristão, uma honra; ser bispo, um perigo! afirmava Santo Agostinho. Ser brasileiro, uma bênção; ser governante, um perigo! Pois, o povo está nas mãos de bispos e pastores, de governantes e mandatários. O abuso do poder e a corrupção causam a desgraça da Comunidade Eclesial ou da Comunidade Política.

A vida é um processo permanente de alimentação, desde o instante da concepção. A fome de vida só Deus pode saciar de forma plena, pois não só de pão vive um homem.

Cabe à família, à sociedade, com suas instituições, e aos governos, em todos os níveis, garantir que o processo de alimentação de um ser humano seja assegurado e, assim, possa possa atingir maturidade até a plenitude. Não se trata de caridade, nem de assistência ou benemerência, mas de um direito humano básico.

Para testemunhar e anunciar os valores do Reino que fundamentam uma sociedade comprometida com a vida, tornei-me peregrino a serviço do direito humano ao alimento e à nutrição.

Neste terceiro milênio somos desafiados a rever nossos projetos de desenvolvimento em respeito às fontes  da vida e à necessidade de garantir os alimentos que a sustentam e nutrem.

Uma decisão política que exige sabedoria e coragem para discernir o caminho que nos conduza à verdade que liberta e ao amanhecer do dia em que justiça e paz caminharão de braços dados.

Num mundo com um bilhão de famintos; uma nova economia, sem concentração de riqueza e sem desperdício, justa e solidária, tornou-se demanda impostergável para a paz na família humana e a preservação do próprio Planeta. Uma questão ética, com certeza.

Urge encontrar a fórmula econômica que garanta a cada criança, que é dada à luz neste planeta, a porção que lhe permita viver com dignidade e cidadania. Criança não nasce para viver uns poucos dias, ensina o profeta Isaias.

No Natal, a criança é dada como sinal e caminho da paz. Acolher a criança é acolher o futuro da vida na terra. Eis que ela chega com perguntas contundentes e clamando pelo direito de viver de forma saudável, inteligente, criativa e bem humorada. 

 Feliz Natal sem miséria e sem os males da fome.Viva a Vida!


+Mauro Morelli, bispo católico e peregrino

Indaiatuba, SP, 08 de dezembro de 2011



sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Salve a República ou....Quilombo do Brasil ! (III)

Salve a República ou... Quilombo do Brasil? (III)

Inaugurando novo ciclo de cidadania em busca de uma Nação constituída no respeito às diferenças e comprometida estruturalmente com a defesa e promoção da igualdade, volto a publicar a proposta apresentada ao Movimento Nacional Constituinte (Como fazer nova a República – DMM – Coleção Fazer VOZES/IBASE 1985).
                                                                        * * *

“Com a monarchia ou sem ella deve a gente de cor ter ingresso na prosperidade do Brasil”.
(Arruda Câmara. Revoluções Pernambucanas – 1817-1824)

Na aurora de um novo Brasil, vejo nas Nações indígenas os primeiros cidadãos deste país e nos povos de raça negra os maiores construtores de nossa riqueza. Vergonhosamente, os filhos da América e da África foram os mais destruídos e explorados, sujeitos à discriminação e marginalização. Dos primórdios da história da pátria, até nossos dias, milhões de indígenas e africanos, e seus descendentes, são vitimas dos maiores crimes cometidos na terra de Santa Cruz! No rigor da palavra e com crueldade desumana, os indígenas, quase varridos do cenário nacional, e os negros, aviltados e esmagados, pelo genocídio brasileiro.

Não haverá reconciliação, neste país, sem reparação às nações indígenas e aos povos da bela e grande raça negra.

Na pregação da soberania da Nação sobre o Estado e na organização da Sociedade, a justiça e a fraternidade continuarão lesadas, se aos filhos de Tupã e aos cidadãos de raça negra não se reconhecer e assegurar o direito incontestável, por muitos títulos, a uma vida digna e livre. Em comum com as outras raças, o titulo por excelência da dignidade humana. Em segundo lugar, na história da pátria, o peso do seu sofrimento e a contribuição inestimável dada à cultura e ao processo do Brasil. Por último, no balanço da democracia, aos primeiros cidadãos das terras brasileiras, deve ser devolvida a natureza e definido o espaço sagrado em que possam não apenas sobreviver, mas atingir a grandeza da vida; aos cidadãos de raça negra, imensa maioria da Nação, igual oportunidade de participação no pacto social, na proporção de seu número e do seu valor.

No coração desta carta aos brasileiros, sobre as bases de uma Nova República, coloquei a UTOPIA DOS QUILOMBOS, englobando nela as TABAS DOS TUPINIQUINS, como sinal de gratidão, gesto de reparação e fraternidade e fonte de transformação.

O índio não é vergonha, nem atraso do Brasil! As suas cores são o verde e o amarelo da Bandeira Nacional. Destruir o índio é golpear profundamente o Brasil, no peito. Sua cultura preserva a vida, enriquece a humanidade. Sua extinção significa, além disso, pôr em risco o equilíbrio ecológico de toda a terra.

Igualmente, não se entende, nem se faz o Brasil sem o negro. Sem o negro não será autêntico o pacto social da Nova República. Não se renova o Brasil sem a energia da negritude.

Não há povo tão massacrado, que revele tanta vitalidade, indomável resistência e tão fecunda criatividade. A raça negra, na história do Brasil, se revela fonte inesgotável de energia.

A gente negra, na herança dos quilombos africanos e na saga heróica dos quilombos brasileiros, oferece a toda a Nação a Mística da Libertação, o protótipo e caminho da construção de uma pátria livre, justa e fraterna: o Quilombo do Brasil!

“Quilombo, palavra derivada da língua Kimbundu da África Austral, significa comunidade, no mais elevado sentido: comunidade em solidariedade, em convivência e comunhão existencial” (Abdias do Nascimento).

Na utopia dos quilombos brasileiros, nas tapas dos Tupiniquins, Tamoios e Guaranis, encontro a raiz mais profunda das saudades da Candelária!

No Quilombo do Brasil, queremos vestir o rei e cobrir a nudez do povo. O tecido não será importado, mas produto da sabedoria e da capacidade da Nação.

A terra abençoada por colheitas abundantes, alimentando a vida de todos os habitantes, jamais será possuída pela cobiça do capital, seja no campo ou na cidade. De imediato, 200 milhões de hectares da terra agrícola, tomados como investimento por algumas poucas mãos avaras, serão desapropriados em favor de toda a Nação. Quanto aos outros duzentos, da mesma forma profanados, terão o mesmo destino social.

O trabalho jamais fará escravos, mas será sinal de participação da gente livre da Nação. Por sinal, proclamaremos o primado da pessoa e do trabalho sobre o capital. Por esta razão, a extorsão cometida do mercado financeiro e os juros escorchantes serão eliminados da politica econômica do Quilombo do Brasil. O bem da comunidade, a justiça e a probidade, a soberania e a liberdade dos povos, serão critérios para os negócios dentro e fora de nossas fronteiras.

Por questões de religião ou pensamento, cor de pele ou grau de instrução, idade ou sexo e estado civil, ninguém será lesado em seus direitos de cidadão do Quilombo do Brasil.

O luxo desmedido e a indigência desprovida, frutos da ganância que faz escravos e desrespeita a própria natureza, serão combatidos por uma justa distribuição de bens.

Garantiremos trabalho para todos, estabeleceremos fundos para os desempregados e, em questão de salários, faremos um pacto social: ninguém recebe menos do que um e ninguém leva mais do que três!

Para não cansar o rei, primeiro ministro, presidente ou generais, nos processos decisórios faremos política e eleição. Garantiremos a participação de todos:
_ na produção;
_ nos progressos da ciência e da técnica;
_ na cultura e no lazer; e
_ na propriedade dos meios de produção.

No mundo em que vivemos, queremos ser o quinto maior produtor de arados e de alimentos.

Buscando sempre a paz, não queremos ser escravizados pela ordem constituída e nem pelo progresso que marginaliza a maioria da Nação.

Não seremos muito exigentes, no Quilombo do Brasil, apenas desejamos cobrir a nudez do povo e vestir o rei ou presidentes.

No Quilombo do Brasil, a Fé que une os brasileiros na variedade das línguas, louvando o único Senhor e Deus, exclama na prece de saudação dos irmãos: Saravá!

Belo Horizonte, 18 de novembro de 2011

+Mauro Morellli , bispo católico e peregrino


terça-feira, 15 de novembro de 2011

Salve a República ou ...Quilombo do Brasil? (II)


Partilho  em meu "blog" nova reflexão sobre a comemoração da Proclamação da República, no contexto de dois grandes e recentes eventos nacionais. A IVª Conferência Nacional de Segurança Alimentar Nutricional Sustentável e o 5º Congresso Brasileiro de Extensão Universitária, realizados na semana de 07 a 11/11, em Salvador e Porto Alegre, respectivamente. A pacificação da Rocinha e adjacências oferece-me a moldura perfeita para a  exposição das provocações e propostas.

Neste novo texto estou editando e completando respostas dadas a algumas questões que tem sido levantadas com frequência nos últimos anos. Por primeiro, procuro responder às indagações sobre a diferença entre meu trabalho como bispo da diocese de Duque de Caxias e agora  peregrinando tempo integral a serviço da defesa e promoção do direito humano ao alimento e à nutrição. Num segundo momento, minha visão da realidade sofrida da Baixada Fluminense. Em terceiro lugar, meu posicionamento sobre o tratamento do Governo Lula à segurança alimentar. Por último, quais caminhos somos desafiados a percorrer nesta década para alcançar objetivos inadiáveis para um novo milênio com saúde e paz.

I -  Atuação como bispo na diocese e na peregrinação pelo direito ao alimento e à nutrição

A tarefa principal de um bispo é evangelizar e sua principal ocupação, cuidar da Igreja para que seja a presença humana e histórica de Cristo Pastor. Como João Batista, a Igreja é uma lâmpada, não é a Luz; a voz, mas não a Palavra. Oportuna e inoportunamente anuncia o Reino de Deus, um Reino de Verdade e de Vida, de Justiça e de Paz. A exemplo de Maria, anuncia que o olhar de Deus pousa sobre os pequenos e fracos, seus prediletos. É vocação da Igreja, como testemunha do Senhor Jesus, o exercício permanente da misericórdia. Estar junto aos míseros e sofredores para que se levantem e caminhem com dignidade e esperança.

Durante vinte e quatro anos caminhei na Terra Santa da Baixada Fluminense. Como bispo fundador da Diocese de Duque de Caxias procurei levar a Boa Nova da dignidade humana a um povo violentado em seus direitos e humilhado de tantas formas. Por toda a parte clamei contra o extermínio. Além da formação das Comunidades e de seus pastores e catequistas, eram minhas prioridades a criação e formação de novas Comunidades e apoio às associações e movimentos populares. Ao iniciar a diocese, contávamos com noventa e cinco comunidades católicas. Ao entregá-la ao segundo bispo, somavam duzentas e trinta e três.

Realizamos um grande mutirão para resgatar crianças da desnutrição que impede o desenvolvimento integral da pessoa. Chegamos a quarenta mil crianças com rosto, nome e endereço.  Nosso trabalho foi integrado no relatório do Prof. Jean Ziegler, relator da ONU para o direito humano ao alimento e à nutrição. Em conseqüência fui convidado a integrar o Comitê Permanente de Nutrição (SCN-UN), tendo sido designado como promotor de nutrição do mesmo SCN.

A participação na luta contra a miséria e os males da fome, desde março de 1993, levou-me a todos os recantos do Brasil, dificultando meu trabalho na diocese. Após longo processo de  recuperação de grave acidente em 2003, roguei ao papa João Paulo II para me liberar do compromisso  com a diocese para me dedicar tempo integral à causa da defesa e promoção do direito humano ao alimento e à nutrição.

Assim, desde 2005, sou um bispo católico e peregrino a serviço dessa causa com presença em vários Estados Brasileiros, especialmente Minas Gerais, São Paulo,  Paraná, Pernambuco e Baixada Fluminense, dialogando com Universidades, com o Poder Público e com os Movimentos Sociais para que o direito ao alimento e á nutrição seja conhecido, reconhecido, exigido e vivido.

Segundo o papa João Paulo II, isto acontece se houver uma orquestração da ação da família, da sociedade em sua composição tão rica e diversa e dos Governos, em todos os níveis. Em meu trabalho enfatizo sempre que o meio ambiente é determinante; o direito, fundamento; a saúde, razão de ser; e, a criança, menina dos olhos.

Segundo o papa Bento XVI (Encíclica Caridade na Verdade - 29/06/2009) o combate à fome e à exclusão social é um imperativo ético para a Igreja. Quem se dedica a esta causa, está contribuindo para a preservação do Planeta e a promoção da Paz. Assim, considero-me fiel à missão que me foi confiada como bispo, embora não esteja a serviço de uma Diocese. Não é fácil tarefa a evangelização centrada na defesa das fontes da vida e na promoção do direito humano ao alimento e à nutrição. Com meu trabalho missionário, estou cuidando do que é mais precioso no Evangelho: a pessoa humana! Que uma criança não morra criança, a razão de ser de minha vida e do meu trabalho (cfr. Isaias, capítulos 65 e 58).

Tenho me dedicado à promoção do direito. Fui o articulador da primeira lei estadual (MG) e das primeiras leis municipais de segurança alimentar e nutricional sustentável.  Trabalho  em diálogo com um bom número de  Universidades, pois fome e miséria não serão vencidas sem educação e mudanças radicais em nossos hábitos e costumes. Sociedade e governos trabalham como se a questão social fosse um problema de “caridade” e de assistência.

Doravante busco direcionar meu tempo e energias para comunicação e educação à distância, a partir do Centro de Evangelização João Paulo II, em Indaiatuba, SP, em parceria com várias universidades. Oportunamente espero editar e tornar público escritos que, desde 1975, relatam os passos dados e caminhos percorridos em meu pastoreio, até o presente. Com os mesmos objetivos e com o mesmo espírito espero continuar peregrino nos dias de minha vida.

II - Visão da Baixada Fluminense 



Um retrato em preto e branco do Brasil. Até 1964, sua vocação foi o serviço de abastecimento e de lazer da metrópole. Após 1964, vindos de todos os recantos do país, nela os migrantes forçados pelo modelo de desenvolvimento imposto pelo  Golpe de Estado, foram se aninhando ao lado dos “beneficiados” pela Lei Áurea.

Em verdade, morros e alagados foram a porção “destinada” ao povo negro descartado pela ordem econômica, em nova etapa de dominação dos recursos naturais e de exploração do trabalho humano.

Como ocorre nestes dias, novas ocupações não resolvem o grave problema social e ambiental que transforma a Baixada Fluminense, a Zona Norte Carioca e outras regiões metropolitanas em “Coroa de Espinhos” da Cidade Maravilhosa, outrora soberba capital do Império e da República. 

Enquanto os pobres forem criminalizados pela sua pobreza, as ocupações não passarão de exercício de prepotência e de “controle social” em benefício  dos turistas e dos que efetivamente gozam de cidadania.

Não se resolve o problema da miséria (não da pobreza) enquanto houver concentração de riqueza.  Aliás, a riqueza não vive sem a miséria, sua filha bastarda. A riqueza e a miséria desfiguram o ser humano!  Ser pobre é viver como gente, com dignidade e cidadania, sem esbanjar e sem acumular nada. Não há paz sem justiça. As ocupações dos morros do Rio, sempre repercutem na Baixada. Os “bandidos” que escapam do Rio, de forma violenta ocupam outros espaços.

Em 12/12/10, estive em Jardim Amapá, para celebração que mantém viva a memória do massacre de uma família em 1988. Um casal, estando grávida a esposa, e três meninas. No local do massacre, ergue-se hoje a Comunidade Nossa Senhora dos Mártires, com um belo santuário e centro de formação. Naquela celebração também clamamos contra extermínio de jovens encurralados numa sociedade sem rumo e sem justiça. Somente no ano de 1989, mil e cem pessoas sofreram morte violenta nos municípios de Duque de Caxias e São João de Meriti.
O Estado do Rio de Janeiro sofre de grave crise de identidade em sua relação com a porção ocupada  pela Cidade do Rio de Janeiro! Em verdade, nas campanhas políticas fica evidente a primazia da Cidade Maravilhosa.

Nem a Igreja Católica se entendeu bem com a população do Estado. O próprio episcopado do Estado quase sempre é importado de outras regiões, sinal da "imaturidade" da Igreja na região (pelo menos, na visão do poder central). A Igreja nunca acertou os passos com a evangelização do povo negro. Aliás, o desafio para a Igreja em qualquer lugar é o dialogo respeitoso com as diferentes culturas. Evangelho é Luz e Fermento, não uma superposição cultural.

O Rio de Janeiro, com mais pessoas sem religião declarada do que a soma de todos os “evangélicos”, caracteriza-se pelo sincretismo religioso, pelo hedonismo e pelo pluralismo de opções que dariam sentido e norte para a vida humana.

Neste contexto, sem querer pecar contra a caridade, as classes dirigentes e políticas, com honrosas exceções,  causam-me espanto e, às vezes, asco. Contudo, continuo enamorado pelo povo carioca e fluminense, tão pluralista, malicioso e paciente, assim plasmado na escola da sobrevivência. O “malandro” é um sobrevivente altamente qualificado num território em que a cidadania sempre foi privilégio de uns poucos.

A Baixada Fluminense é Terra Santa, banhada pelo sangue derramado de tantos inocentes e pelo suor de mulheres e homens madrugando para um dia de trabalho desqualificado pela ganância de quem acumula riqueza. A cor branca é passaporte nas noites dessa região em que mais da metade da população é de raça negra.

III- Ação do Governo Lula

O Lula não foi ditador e nem traidor como alguns afirmam, por preconceito ou por desencanto. Não chegou à presidência por um golpe de estado e nem por uma revolução, mas pelas alianças dos partidos políticos que tutelam a população e pelas elites que controlam os meios de comunicação e a economia do país. Haja vista a aceitação do mercado financeiro e do mundo empresarial, os principais beneficiários dos méritos do Governo Lula. Mesmo a Bolsa Família, se não resolve o problema familiar da fome gerada pela exclusão, sem dúvida aquece o mercado local!

A Bolsa Família é a principal resposta do Governo Lula ao problema da fome. Válida como medida de assistência social, expressa o principal enfoque com que o problema dos males da fome foi tratado pelo Governo Lula.  Reafirmo que não é uma questão de caridade e nem de assistência social. No seu governo a coordenação das respostas a um direito básico estavam confiadas ao Ministério de Assistência Social ou de Desenvolvimento Social.

Os dados divulgados por organismos com IBGE e IPEA, contradizem as afirmações do Governo e do próprio presidente em seu último mês de mandato. Não é verdade que cada um dos brasileiros e brasileiras tem garantidas as três refeições por dia! “O Brasil mudou tanto. Ninguém mais passa fome neste país” – ouvi esta a firmação da boca de uma pessoa muito querida e de comportamento ético, sentada a meu lado numa viagem aérea. Como se tratava de alguém com “status” de ministro, fiquei estarrecido e clamei por misericórdia divina, com medo que o avião sofresse um acidente.

IVª -  Objetivos e Metas do Milênio - nova etapa

Passaram-se os anos de FHC e de Lula, a renda continua centralizada de forma escandalosa e alimento continua sendo transformado em moeda ou “commodity”. Sem equacionar estas questões continuaremos sofrendo a degradação ambiental e o acirramento da questão social.
O que está em jogo é o modelo de desenvolvimento, como denunciva o Movimento pela Ética na Politica. A Lei Federal 11.947/09, uma das grandes medidas do presidente Lula, abre caminho para profundas transformações. A partir de cada micro bacia ou região, o Brasil se desenvolve produzindo alimento saudável, adequado e solidário para o Programa da Alimentação Escolar.

Hoje, um programa grandioso e simbólico, ao mesmo tempo. Porém, se a escola continuar sendo a referência e não o estudante, o programa não vai garantir a formação de uma nova geração inteligente, vigorosa e criativa, pois devidamente alimentada e nutrida. Centrado no estudante, o programa deve atender 100% das necessidades nutricionais do ser humano, não apenas 30%; garantido nos 365 dias do ano, não apenas em 200 dias escolares. Não há educação sem nutrição e vice-versa, um binômio indissolúvel.  Eis um grande desafio para a nova Presidente, o Congresso Nacional, Estados e Municípios, com a participação das famílias e da sociedade.

Com o binômio educação e nutrição, como nova opção para o desenvolvimento, o Brasil poderá iniciar gloriosa etapa de sua história. Escolhe a vida, Brasil. Alimento é vida e caminho da paz.  Nenhum objetivo do milênio se concretiza sem o alimento que nutre a vida.
Alguns pressupostos para superar o quadro de indigência e de exclusão devem ser considerados como exigências fundamentais da cidadania e da democracia. 

Libertar o povo brasileiro da "praga" do analfabetismo, é condição "sine qua non". O analfabeto corre o risco de exploração econômica, social, política e, mesmo, religiosa.
Com grande atraso, empreender revisão profunda do sistema latifundiário e novo direcionamento para a política agrária e agrícola.

Solução imediata, de baixo custo e de grandes benefícios (sociais, econômicos...) para o drama secular da titulação das terras devolutas urbanas e rurais. Outros documentos e títulos são fundamentais para o exercício da cidanania em nossa cultura e para atender a burocracia.
Cumprimento efetivo das diretrizes da política nacional de alimentação e nutrição, especialmente o monitoramento nutricional da população e o controle sanitário dos alimentos.

O caminho anunciado por Josué de Castro em sua profecia exige o cumprimento dos objetivos e metas do milênio. Em 2015, o número da famintos deveria estar reduzido pela metade segundo decisão da Cúpula Mundial de Alimentação, em 1996. Objetivo não atingido. Pelo contrário, ultrapassa a cifra de um bilhão,  o número das víitmas dos males da fome em todo o mundo.

Retomo proposta apresentada no texto anterior para as universidades, movimentos sociais, instituições religiosas e outras instituições de participação em defesa da vida com qualidade e dignidade. 

Vamos caminhar para um grande encontro em Belém, em 2013. Iremos definir conteúdos e intensificar preparativos para a grande VIGÍLIA da NAÇÃO, na noite de 15/10/2015.

Amanheceremos nas praças, na manhã de 16/10/2015, Dia Mundial da Alimentação, para clamar pelo direito humano básico ao alimento e à nutrição, com denúncias e propostas para um Pacto Social que faça de nós uma Nação em Estado constituida.
Salve a República ou ... Quilombo do Brasil?!



Indaiatuba, SP, 15 de novembro de 2011
+Mauro Morelli, bispo católico ou peregrino



segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Salve a República ou ... Quilombo do Brasil! (I)




Neste 15 de novembro recorda-se o 122º aniversário do feito realizado pelo marechal alagoano no Largo da Santana, na capital do Império do Brasil.

Teria Deodoro proclamado a república ou apenas consumado um golpe de Estado? Não sendo historiador não teria autoridade para firmar de modo peremptório que de fato nada mais do que um golpe de Estado teria ocorrido.

Caminhando entre os pobres das periferias metropolitanas, em meu longo pastoreio, e participando do Movimento Nacional Constituinte, após a derrocada da ditadura implantada pelo Golpe de Estado de 1964, muitas coisas fui aprendendo sobre as transas, manhas e artimanhas da política brasileira.

Muito aprendi também como agente público de segurança alimentar e nutricional sustentável em 1993-1994 e de 1999 até o presente. Sem  esquecer que por quatro anos fui promotor de nutrição do Comitê Permanente de Nutrição da ONU (SCN-UN)

Por razões de justiça e gratidão, devo recordar, outrossim, as sessões de análise de conjuntura do IBASE, a convite de Betinho, como preciosa introdução à compreensão do Estado Brasileiro com seus objetivos e amarras.

A formação do Estado Brasileiro não é fruto de um pacto social e político de clãs e tribos que se aglutinam em Nação ao longo de um processo histórico que culmina com a constituição do  Estado e escolha de governantes visando o bem comum.

O Estado Brasileiro desde o século XVI foi criado e mantido por uma elite, não mais de 25 % de toda a população, comprometida e envolvida pelo emaranhado das relações econômicas internacionais, ora denominadas globalizadas e globalizantes.  

O Estado Brasileiro pode ser comparado a um luxuoso supersônico com apenas vinte e cinco lugares. Setenta e cinco por cento dos povos do Brasil não têm assento neste engenhoso assombro. A burocracia, elaborada e complexa, impede o exercício pleno da cidadania para essa imensa maioria, mesmo tendo conseguido conquistas incorporadas à estrutura do Estado, tais como alguns ministérios e secretarias especiais. O Estado brasileiro é esquizofrênico, bem como seus governos.

Na Terra da Santa Cruz, como Colônia, Província, Império, República Nova ou Velha, Estado Novo ou Ditadura, permanece sempre o mesmo Estado controlado por elites insaciáveis, insensíveis, insensatas e insanas, comprometidas com modelos econômicos e projetos de desenvolvimento que sempre lhes trouxeram benefícios e lucros em detrimento das populações do mesmo território e do saque das riquezas naturais e graves danos ao meio ambiente.

Assim como os males da fome atingem o espírito, a  estrutura mental e as relações sociais; a opulência, gerada pela ganância, embota o espírito, angustia a alma e causa muitas doenças, sendo a demência a mais grave delas!

Ao escrever esta reflexão recordo o memorável discurso de Frei Caneca, na Câmara Municipal de Olinda, devolvendo a Dom Pedro I a sua "Constituição outorgada". Aprendi com Frei Caneca que a Nação cria e estrutura o Estado para garantir o bem comum. Pela mesma razão, a Nação elege seus servidores, jamais senhores ou senhoras. 


Josué de Castro

Junto aos mangues do Recife, Josué de Castro, outro notável pernambucano e grande profeta, formulou a Geografia da Fome, sua gênese e seus males. Nos alagados da Baixada Fluminense, depois de noviciado ao lado de Dom Paulo Evaristo na Paulicéia, fiz a síntese entre Fé e Política, ou seja, libertar-se da escravidão e viver a cidadania. A mesma santa e justa indignação brilha nos olhos desses profetas e mestres da vida com dignidade e liberdade.

Retornando do 5º Congresso Brasileiro de Extensão Universitária, ousaria propor que boa empreitada para o próximo congresso seria a leitura crítica de nossa história para fazer justiça aos índios e negros, em primeiro lugar, mas também aos homens e mulheres que clamaram por vida com justiça, dignidade e liberdade  ao longo de cinco séculos.

Como foi anunciado, em Belém do Pará, estuário da Amazônia, em 2013, estará congregado o 6º Congresso Brasileiro de Extensão Universitária. A inquietação latente no seio das universidades poderá aflorar e se transformar na PROFECIA DE BELÉM.

A profecia é resultante da inquietude e indignação que brotam da leitura crítica da realidade. Ao mesmo tempo, a profecia revela a indignação  da denúncia e o clamor da esperança apontando caminhos.

Quanto discurso ofensivo à dignidade dos povos indígenas e africanos. Quanta criminalização de movimentos e insurreições que ousaram desafiar o poder clamando por liberdade e justiça. Entre tantos, os Quilombos e as Revoluções Pernambucanas, nos séculos passados, e as vítimas das aberrações do século vinte que, ainda, perduram nesta segunda década do novo milênio.

Garantido a ferro e fogo pela Lei de Segurança Nacional, implantou-se um modelo de desenvolvimento que se caracteriza pela concentração de renda, produção volumosa de grãos, extração e exportação de riquezas minerais; com as sequelas da exclusão social, degradação ambiental, miséria e fome.

Não nos esqueçamos que a história da presença humana neste espaço do planeta, hoje demarcado pela Repúbllica Federativa do Brasil, é muito mais antiga do que uns poucos séculos. Descobertas arqueológicas demonstram que seres humanos curtiam a vida por essas bandas há mais de trinta e cinco mil anos. Entre outras indagações, ousaria mesmo perguntar se alguém acredita que Deus iria aguardar a chegada de Cabral e de Frei Henrique para se entreter com seus fllhos que por primeiro habitaram estas belezas?

No encerramento do 5º CBEU, congregado em Porto Alegre, de 8 a 11/11/11, convidei os participantes a  definir sua vocação e missão empreendendo uma jornada de diálogo com os movimentos sociais e os povos do Brasil.

Iniciando-se em Porto Alegre, caminharíamos até Belém, como primeira etapa. A partir de Belém, com agenda delienada, seguiríamos percorrendo trilhas e veredas, lagos e igarapés, até a GRANDE VIGÍLIA DA NAÇÃO, na noite de 15/10/2015, para amanhecer em nossas praças em todos os recantos e rincões desse imenso Brasil, no dia 16/10/2015, Dia Mundial da Alimentação, anunciando um novo pacto social e a convocação de uma Assembléia Constituinte. Vai raiar a liberdade nos horizontes da esperança!

Naquela data esgota-se o prazo para o cumprimento do compromisso assumido pelos governantes presentes na Cúpula Mundial da Alimentação, em 1996, na cidade de Roma. "Até 2015,  tudo faremos para reduzir pela metade o número de famintos no mundo"Asssim pactuaram. Na época, 800 milhões; portanto, 400 milhões. A FAO divulgou recentemente, que ultrapassamos a cifra criminosa de um bilhão de famintos.

Quais seriam as propostas da IV Conferência Nacional de Segurança Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, realizada em Salvador, de 7 a 10/11? Não quero crer que tenha sido um mero festival abrilhantado por bolhas de sabão. Nem a presidenta compareceu; assim como FHC, em 1996. Revelador o artigo transcrito no boletim da Unisinos: Quem tem medo da Dilma?

Caminhemos ... de tranco em tranco, sem perder a esperança e a alegria de viver.

Itaicí, 14 de novembro de 2011

+Mauro Morelli, bispo católico e peregrino



















domingo, 6 de novembro de 2011

Matutando ... a caminho de Salvador (3)




Acompanho com preces e votos de paz e bem a quem está a caminho de Salvador para a IV Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Por uma opção consciente, viajo em direção inversa rumo a Porto Alegre, mas com os mesmos objetivos e sentimentos. Em Salvador, como na segunda e terceira conferências em Olinda e Fortaleza, teria pouco espaço para contribuir com uma reflexão crítica e formulação de propostas.

Desde a primeira hora do lançamento da Ação da Cidadania para a Superação da Miséria e da Fome e pela Vida, dedico-me à defesa e à promoção do direito humano básico ao alimento e à nutrição através de processos educativos e mobilizadores; bem como, à formulação de leis e de políticas públicas.

Desde 2005, com dedicação exclusiva, renunciando ao encargo de Bispo da Diocese de Duque de Caxias, tornei-me peregrino para que nenhuma criança morra criança por causa da miséria e da fome.

Como articulador do CONSEA-MG, alegra-me a presença da delegação mineira e gerazeira em Salvador.  Em 1999, com Itamar Franco, Governador em Minas Gerais, foi retomado o processo interrompido em 1995, por FHC.

A convite, de 8 a 11 de novembro, em Porto Alegre, participo do 5º Congresso Brasileiro de Extensão Universitária. Com o tema "As Fronteiras da Extensão" dirigentes, professores e acadêmicos das universidades públicas e particulares de todo o país, se encontram para proclamar a relevância da extensão em sua relação indissociável com a pesquisa e o ensino.

Fico imaginando como seria bom para nosso país um encontro dos intitutos de ensino superior com representantes dos povos do Brasil.

O convite que me foi feito é expressão de um teimoso e esperançoso diálogo com o mundo universitário nos últimos anos. Cabe-me a honra e a responsabilidade de ministrar a conferência na sessão de encerramento do congresso. Com humildade e ousadia, falando com o coração, desejo refeltir sobre a " Extensão Universitária em confronto com a Miséria e a Fome no século XXI".

Em Porto Alegre ou em Salvador, Josué de Castro, o insuperável profeta nordestino, deve ser ouvido para que se aprofunde nossa convicção que alimento é vida e caminho da paz.

Com Josué de Castro e com o Movimento pela Ética na Política, reflitamos sobre a corrupção e iniquidade de um modelo de desenvolvimento concentrador de riqueza e gerador de degradação ambiental, de miséria e dos males da fome. O problema não é acabar com a pobreza!? Antes que seja tarde, busquemos uma nova ordem para esta república e um novo rumo para o progresso.

Ao mesmo tempo, em que nos alegramos pelo caminho percorrido e pelas conquistas decorrentes desse direito básico e decisivo para tudo o mais, depois que somos dados à luz neste planeta, tenhamos a capacidade de definir objetivos e metas, com seus indicadores, para que os povos do Brasil se libertem da indigência que conduz a sofrer os males da fome.

Com denunciava Josué de Castro, nada atinge tanto o ser humano quanto a fome. Atua no espirito, na estrutura mental e nas relações sociais. Vejam o horror das guerras nas favelas do Rio e em outras regiões metropolitanas. Aliás, a opulência também embota o espírito, angustia a alma e gera muitas doenças.

Urgente que o Governo Federal, muitos Estados e Municípios, ultrapassem as estruturas assistenciais das ações de governo, para prevalecer e resplandecer o direito como fundamento das políticas públicas. O respeito ao meio ambiente é determinante.

 A sociedade e as religiões também precisam evoluir da compaixão e da "caridade" para a cultura do direito, da justiça e da solidariedade. Seja nosso grande objetivo ver o povo brasileiro vigoroso, inteligente, criativo e bem humorado.

Não queiramos inventar a roda para a superação da miséria e dos males da fome. Nutrição e Educação, eis o binômio indissolúvel indicador do caminho. Escola de tempo integral e um novo programa brasileiro que garanta a quem estuda alimentação e nutrição em cada um dos 365 dias do ano.

O alimento deve ser saudável, adequado e solidário, como direito reconhecido e garantido para cada ser humano que nasce ou vive em nosso Brasil. Mulheres e homens, pobres e ricos, santos e pecadores, crianças e jovens, adultos e idosos comamos e bebamos para viver. Criança não morra criança e a morte aos cem anos seja considerada prematura, cumprindo-se asssim a profecia de Isaias (c.65).

Com urgência, porém, alguns pressupostos para a superação da miséria e dos males da fome devem ser enfrentados. Entre os principais, a erradicação do analfabetismo, a revisão profunda da estrutura latifundiária e a titulação das terras devolutas  urbanas e rurais, dentro de um novo projeto de desenvolvimento para o país. Entre tantas medidas, o fortalecimento e a primazia do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do INCRA.

Quem tem ouvidos para ouvir, ouça! Paz e Bem. Com os Estados estrangulados por uma impagável dívida com a União; muitas outras coisas, como um novo Pacto Federativo, poderiam ser ditas e certamente o serão. 

Indaiatuba, SP, 6 de Novembro de 2011


+Mauro Morelli, bispo católico e peregrino

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Matutando ... a caminho de Salvador (2)



O centro do mês de outubro é a criança.
Além da mãe e do pai, entre tantas outras presenças, a criança precisa da professora e de alimento para atingir seu desenvolvimento integral. Não sem razão, em outubro, comemoramos o dia da professora e do professor e o dia mundial da alimentação.

Desde o instante maravilhoso e bendito em que foi concebida no seio da mãe, como semente prenhe da força da vida, não pára de se desenvolver embalada no processo dinâmico e permanente da alimentação e nutrição. A seu tempo e com rítmo próprio e peculiar ao ser humano, sua vida vai se desdobrando e se manifestando com as expressões singulares e maravilhosas do corpo, da alma e  do espírito.

A realização integral da criança é  responsabilidade de sua família, da sociedade com suas instituições e dos governos. A Constituição Federal proclama que comer e beber para viver é um direito humano básico. A mesma Constituição determina que haja um programa de alimentação nas escolas para que o desenvolvimento integral da criança seja assegurado pelas mãos que incentivam a descoberta de si mesma e do mundo em que vive e, ao mesmo tempo, devidamente alimentada e nutrida possa assumir a alegria e a responsabilidade de ser gente.

Assim, educação e nutrição tornam-se um binômio indissolúvel. Esta é a minha compreensão da Lei Federal 11.947/09 com novas determinações sobre o programa de alimentação escolar. Um direito a ser garantido, alimentos devem ser saudáveis, adequados e solidários, uma questão de educação e alimentos produzidos no bioma em que se vive e por quem come o que produz!

Não queiramos inventar a roda. Para superar o quadro vergonhoso e criminoso de miséria e fome, sem dúvida a escola é o segundo, quando não o primeiro espaço, em que a criança encontra condições para atingir de foma global seu desenvolvimento.  Escola de tempo integral, neste nosso Brasil, é a medida certa para garantir a formação e desenvolvimento de um povo saudável, inteligente, criativo e bem humorado.

Como o programa cobre apenas duzentos dias do ano letivo, sugiro que seja transformado em programa de alimentação e nutrição do escolar ou estudante. Obviamente com novas determinações que, em todos os dias do ano, garantam ao estudante a alimentação saudável e adequada seja na  escola ou em sua casa.

À luz do binômio citado, como assistir passivamente ao sucateamento das precárias instalações de ensino e de educação em nosso mundo rural. Ainda, hoje, o jornal O Globo publica matéria de grande relevância sobre pesquiza realizada por três professoras por encomenda do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República.

Quando iremos atender aos pressupostos para a superação dos males da miséria e da fome: libertação do analfabetismo e estrutura fundiária regulada por uma política agrária e agrícola que proporcione condições à  agricultura familiar para cumprir sua vocação e missão?

Enquanto alimento for convertido em moeda, haverá degradação ambiental, miséria e fome na face da terra. Em verdade, somos desafiados a fazer opção por um outro modelo de desenvolvimento que não gere exclusão social e reparta os dividendos do progresso, conforme antiga proposta do Movimento pela Ética na Política.

O mundo rural tem direito a um projeto pedagógico de educação alimentar e nutricional peculiar e coerente com a vida e missão das famílias que dão lastro à democracia e não à balança comercial.

Na zona rural, segundo a reportagem, comovente é o apelo das crianças e a dedicação de professoras e professores. O jornal informa que trinta e sete mil escolas foram fechadas e outras quarenta e três mil se encontram em estado quase calamitoso. O estado da educação no campo, além de deboche, é crime de lesa pátria.

 

Convido os tweeteiros a retransmitir a mensagem lúcida e democrática do MST : Fechar Escola é Crime.

Matutando .... a caminho de Salvador. Não tenham medo. A verdade liberta.

Sem raiva, mas com intensa e profunda indignação apresentemos propostas em favor de uma sociedade justa, fraterna e  solidária, em que criança não morre criança por causa da miséria e dos males que a acompanham. A Miséria é filha predileta da Riqueza. Pobreza é outra coisa, não é o problema.

Indaiatuba, 31 de outubro de 2011

+Mauro Morelli, bispo católico e peregrimo

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Matutando...a caminho de Salvador (1)




Depois de doze anos de caminhada em Minas Gerais, participando da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, em diálogo com os governantes, aprecio muito o jeito mineiro de ser e de viver. Aliás, mineiro e gerazeiro! Onde estou, de onde eu vim e para onde eu vou?... matuta o mineiro na encruzilhada.

A informação mais o discernimento produz a sabedoria. As  encruzilhadas trazem um pouco de nossa identidade e, sem dúvida, pela opção sobre o rumo a seguir, ajudam a definir nossa personalidade.
Cuidado...que as barreiras e rejeições não nos impeçam de continuar o caminho e nem tirem a nossa alegria de viver. Escolha a vida! Não entremos no jogo da corrupção e da morte.

Num grave período da nossa história, na primeira metade do século XX, nascendo e crescendo num mundo rancoroso e guerreiro, surge o grande profeta Josué de Castro. Ninguém até hoje supera o profeta nordestino, aclamado entre sábios e eminências de seus dias, pela crítica contundente à fome no mundo, descendo às suas raizes e apontando caminhos.

Não foi na Sorbonne, mas nos mangues de Recife, que Josué de Castro, com o vigor da indignação pelo aviltamento e destruição do ser humano, decifrou o enigma da miséria e da fome. "... atuando sobre seu espírito, sobre sua estrutura mental, sobre sua conduta social. Nenhuma calamidade é capaz de desagregar tão profundamente e num sentido tão nocivo a personalidade humana como a fome" (A Geografia da Fome - Prefácio - 1946).  

Não é uma fatalidade! Em 1963, descrevia uma situação que se revela hoje mais aguda  e explosiva:  "Na realidade, a fome sempre existiu perto da riqueza e da abundância. O que é novo no mundo é a consciência que os povos famintos têm da realidade social e da sua condição, e  a impaciência que estes povos famintos experimentam para se libertar de sua fome e de sua miséria".

Peregrino desde a primeira hora em que o Movimento pela Ética na Política lançou a Ação da Cidadania para a superação da miséria e dos males da fome, como discípulo de Cristo e admirador da sabedoria e da coragem de Josué de Castro, quero partilhar um pouco das minhas dúvidas e perplexidades  nas encruzilhadas de nosso caminho que também deve passar por Salvador.

Minas Gerais, tendo realizado sua Vª Conferência Estadual, precedida de 25 conferências regionais, participará da IV Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, na Bahia, de 07 a 11/11, com 81 delegados representando a sociedade civil e o governo.

Depois de ter coordenado a primeira conferência nacional, com a participação do Presidente Itamar Franco, em 1994; participei das outras duas em Olinda e Fortaleza, durante o Governo Lula. Por ocasião da próxima conferência, em função da mesma causa a que me dedico em tempo integral, estarei no 5º Congresso Brasileiro de Extensão Universitária, em Porto Alegre, RS, de 08 a 11/11. Fui convidado a refletir com os congressistas sobre "A Extensão Universitária confrontada pela Miséria e pela Fome no Século XXI"

Continuo atento ao processo em curso. Oportuna e importunamente estarei matutando...a caminho de Salvador. Aguardem neste espaço. Com meus setenta e seis anos de idade, tenho muitas perguntas e cada dia menos certezas. O Evangelho adverte que uma casa construída sobre areia não resistirá à força do vento. Não queiramos fazer em oito meses o que não foi feito em oito anos!

A vida nos surpreende cada manhã. Não me ocupo do cultivo do agrado, mas persisto acreditando na força da semente e não desisto de caminhar na esperança, ainda que seja de tranco em tranco.


+ Mauro Morelli
Bispo católico e peregrino

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

DIA MUNDIAL DA ALIMENTAÇÃO - 2011

DIA MUNDIAL DA ALIMENTAÇÃO 16/10/2011



 PREÇO DOS ALIMENTOS

DA CRISE À ESTABILIDADE




Neste ano, a Organização das Nações Unidas para o Alimento e a Agricultura, ao promover o Dia Mundial da Alimentação, adverte que o aumento do preço dos alimentos pode agravar o quadro de exclusão.
Cada vez mais nos distanciamos da meta definida pela Cúpula Mundial da Alimentação (Roma-1996) de reduzir pela metade, até 2015, o número de seres humanos dizimados ou desfigurados pela fome.

Na época, oitocentos milhões; hoje, em todo o mundo, o número de famintos já ultrapassa a sigla de um bilhão! O próprio USA conta com mais de 40 milhões de “cidadãos” abaixo da linha da pobreza. Segundo o Banco Mundial, no último ano, 70 milhões de pessoas foram empurradas abaixo da linha da pobreza. 

O agronegócio que se caracteriza pela política de monetarização de alimentos, procura se esconder atrás das mudanças climáticas para justificar o alto custo dos alimentos, fingindo ignorar que a sua prática de monetarização dos alimentos prioriza a monocultura e degrada o meio ambiente através da aplicação criminosa de insumos condenados. Admiro e louvo a coragem do cineasta Silvio Tendler pela contundente denúncia em seu filme “O Veneno está na mesa”. Com subsídios e incentivos dos governos, a própria agricultura familiar é submetida ao uso de insumos tóxicos que afetam a saúde dos trabalhadores e colocam veneno na mesa das famílias. 

O atual modelo econômico e seu projeto de desenvolvimento jamais nos conduzirão à segurança alimentar e nutricional sustentável; como ficou demonstrado pela aventura da revolução verde. Esta foi a intuição do Movimento pela Ética na Política e o clamor da 1ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar, em 1994.

Procurando-se desqualificar a qualidade e a capacidade de produção de alimentos saudáveis e adequados para consumo da população, apregoam-se o alto custo e o ritmo da produção dos mesmos.

A resposta se encontra na ousadia em optar por novo modelo de desenvolvimento e nova economia como exigências de saúde pública e de futuro para a própria humanidade. Implantar um sistema de segurança alimentar e nutricional sem modificar o modelo de desenvolvimento, significaria alimentar ilusões e dar adeus à esperança.

A alimentação e a nutrição tornam-se cada vez mais uma questão de segurança nacional e prioridade da agenda política. Alimento é vida! Sem oxigênio e água, sem ternura e leite materno, sem pão e vinho, sem outros frutos da terra e do trabalho humano, a vida desfalece e os dias cessam.

O Papa Bento XVI, na encíclica “Caridade na Verdade” (2009), ajuda-nos a entender que não se trata de caridade e de assistência social, mas de um direito humano básico que exige mudanças não só de hábitos alimentares, mas do próprio modelo de desenvolvimento.  

Para a Igreja, a exclusão social que leva o ser humano a definhar e morrer por falta de acesso ao alimento é problema ético. Ainda, segundo Bento XVI, a resposta coerente com a realidade iluminada pela Fé nos leva a contribuir para salvar a vida do Planeta e a construção da paz.

Alimento é caminho da paz. Neste milênio os conflitos se anunciam pelo controle dos recursos naturais. Com um bilhão de famintos no mundo como sonhar com a paz?

Assim, pois, torna-se urgente o anúncio do Reino de Deus, do sentido e destino da criação e da vocação à vida em comunhão, através de testemunho, diálogo e compromisso com a preservação das fontes da vida e promoção do direito humano ao alimento e à nutrição. Grande desafio, a motivação e formação da juventude para levantar e a caminhar em busca de uma terra livre dos males da miséria e da fome.  A sociedade que cultiva a justiça e partilha o pão através de uma economia solidária, não convive com famintos e necessitados.

No Brasil, além das condições e recursos necessários, dispomos de precioso instrumento para atingir o compromisso com a superação do quadro vergonhoso da exclusão social e dos males da fome. Refiro-me à Lei Federal 11.947/2009, que dispõe sobre o Programa de Alimentação Escolar, por sinal, a melhor contribuição do Governo Lula para os objetivos da “Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida”. Uma expressão que brotou do coração inteligente do saudoso Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida, em reunião do Movimento pela Ética na Política, após o impeachment do presidente Collor (1992).

Naquela ocasião, a concentração de renda e o quadro escandaloso de famintos (32.000.000), resultantes do modelo de desenvolvimento imposto ao país pelo Golpe de Estado (1964), foram apontados como as formas mais perversas de corrupção em nosso país.

Sem dúvida, graças à ação da família, da sociedade e dos governos, houve avanço significativo na redução da miséria e dos males da fome através de iniciativas solidárias e de programas de assistência social, tais como Bolsa Família; contudo, não se deve ignorar, que a insegurança alimentar e nutricional, segundo dados oficiais do próprio governo, paira sobre milhões de lares brasileiros. O problema é maior e mais sério do que se admite, por causa de alimentação insuficiente e/ou inadequada e pelo grau de envenenamento dos alimentos.

Quase se foi o primeiro ano dos novos mandatários. Nesta etapa, devem prevalecer competência e compromisso. Em 1963, por ocasião do 1º Congresso Mundial do Alimento, o Presidente John Fitzgerald Kennedy afirmava: “Temos os meios e recursos para eliminar a fome da face da terra. Só nos falta vontade”!

Começando com as religiões, quem não tiver pecado, atire a primeira pedra! A crise que atravessamos é mais profunda e abrangente do que gostaríamos de imaginar. Parafraseando o profeta Jeremias (c14), a violência corre solta no campo, a miséria e a fome torturam a cidade. Até os sacerdotes, pastores e levitas, como baratas tontas, perambulam sem entender o que está acontecendo.

Trata-se de uma crise provocada pelo esgotamento de nossa civilização. Vivemos em sociedades excludentes e abortivas! Degradação ambiental, violência, autoritarismo, machismo, são marcas características de uma civilização guerreira e destruidora da vida.

A nova lei que dispõe sobre a alimentação escolar, embora mutilada, aponta o caminho de transformação dessa realidade iníqua e blasfema através de um novo projeto de desenvolvimento em que educação, de um lado, e, do outro, produção, processamento, preparo e consumo de alimentos saudáveis, adequados e solidários, a partir de cada micro região ou bacia, serão os principais instrumentos para combater o êxodo rural, a exclusão social e os males da miséria e da fome. Pensar e planejar o desenvolvimento do país debaixo para cima e de maneira descentralizada

Tratando-se de uma Política de Estado, bem que, até 2025, poderíamos planejar o surgimento de um Brasil justo, solidário, saudável e inteligente, como exigência da democracia, de per si incompatível com miséria e fome.

Nossas crianças e famílias merecem um projeto econômico de produção e consumo de alimentos saudáveis, adequados e solidários, ou seja, uma nova ordem econômica com mercado justo e solidário que não transforme alimento em moeda.

A partir da nova lei que dispõe sobre o programa de alimentação escolar, com recursos de fundo constitucional, moeda produzirá comida! O novo modelo de desenvolvimento vai exigir que outro seja o lastro da Balança Comercial. Jamais, o alimento!

Segundo expressão popular, saco vazio não para em pé. Criança faminta não cresce em sabedoria. Esfrega a carteira escolar percorrendo com o olhar o espaço vazio de sonhos e de festas. Não há modernidade que resista à fome de uma criança.

Sentir fome é um processo saudável quando se tem acesso à comida de boa qualidade e abundante.
Para que a criança possa efetivamente se educar precisa de carinho da família, de um lugar em volta da mesa e de uma casa que lhe ofereça privacidade e salubridade.

E a escola que a acolhe? Até hoje contemplo com orgulho o grupo escolar que me acolheu na minha infância e me lembro com profundo respeito das nossas professoras. Assim como a igreja de minha terra, o grupo escolar era para mim o templo da sabedoria. Quase uma igreja!

Com votos e preces de Paz e Bem, caminhemos a fim de que nenhuma criança morra criança por causa da miséria e dos males da fome (Isaías 65).


Dom Mauro Morelli
Bispo Católico e Peregrino
Indaiatuba, SP, 16 de Outubro de 2011