domingo, 24 de junho de 2012

O TEMPLO CÓSMICO DE DEUS



       

Apresentação no Conselho Mundial de Igrejas
Genebra, 22 de Agosto de 1992 






1. INTRODUÇÃO


     Irmãs e irmãos, paz e bem no Senhor Jesus!

     Em minha peregrinação no Caminho do Evangelho, estou apren­dendo a viver a oração de Jesus pela unidade (Jo.17) como um  man­damento-missão afim de que o mundo creia, isto é, afim de que haja vida na terra como no céu. A sabedoria do Evangelho e as energias da Fé devem ser canalizadas para a renovação da família humana e a preservação da natureza.

     Com esta compreensão e com este espírito, as duas dioceses da Igreja Católica  Apostólica de Comunhão Romana, na Baixada Fluminense, acolheram o encontro ecumênico promovido por este Conselho Mundial de Igrejas durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, também denominada Cúpula da Terra ou Eco 92.


2. EVENTOS


     Antecedendo à Cúpula da Terra, vários eventos de carater na­cional e internacional foram realizados no Brasil, entre quais um seminário sobre ecologia e desenvolvimento promovido, em Brasília, pelas Pastorais So­ciais da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

     A CNUMAD, propriamente dita, com a participação de mais de cem Chefes de Estado, aconteceu no RIO CENTRO, de 03 a 14 de ju­nho de l992, na cidade do Rio de Janeiro, no Brasil.

     Ao mesmo tempo, no ATERRO do FLAMENGO, milhares de eventos, entidades não-governamentais e pessoas constituiam e participavam do FORUM GLOBAL.

     O encontro ecumênico na Baixada Fluminense, promovido pelo Conselho Mundial de Igrejas, fez parte da  programação  do  Forum  Global. Provenientes de 54 países, 175 mulheres e homens das grandes famílias cristãs, de 01 a 07 de junho de l992, buscaram uma resposta ecumênica  aos desafios levantados pela Cúpula da Terra. A experiência vivida no encontro ultrapassa em grandeza aos documentos elaborados, como a Carta às Igrejas.

     Cada manhã os trabalhos eram precedidos de meia hora de cele­bração na capela. Na noite do primeiro dia (01/06), na  Cate­dral de Nova Iguaçú, as Comunidades e  o Presbitério da diocese aco­lheram os participantes do encontro com uma celebração que im­pressionou profundamente aos irmãos de outros países pela simpli­cidade, dignidade e autenticidade das pessoas que animaram os vá­rios momentos da celebração.

     No dia 04/06, à noite, treze comunidades católicas e metodistas, dos vários municípios da Baixada Flumi­nense, foram visitadas pelos participantes do encontro ecumênico. Pelos testemunhos colhidos no dia seguinte, nosso povo revela muito sofrimento e humilhação, mas ao mesmo tempo manifesta o po­der do Espírito : "povo oprimido, mas não derrotado" -  uma das expressões colocadas em plenário!

     Sem dúvida, ponto culminante foi a Vigília de Pentecostes na Ca­tedral de Duque de Caxias. Tendo início às vinte e duas horas do sábado (06/06) com a inscrição dos participantes, a Vigília con­tou com a presença e participação de setenta e duas Igrejas. Cerca de oitocentas pessoas, até à meia-noite e meia hora, cele­bramos o acolhimento no Senhor Jesus, seguido de ato penitencial presidido pelo pastor presidente da Federação Luterana Mundial, Rev.Dr.G. Brakemeier.

     Após intervalo de uma hora, em que foi servida uma refeição a todos os participantes, teve lugar a Liturgia da Pala­vra, presidida pelo bispo anglicano em Madagas­car, Rt.Rev.Rémi Joseph Rabenirina, com homília proferida pelo teólogo franciscano Leonardo Boff. A acolhida à Palavra de Deus foi animada pela en­trada da Bíblia precedida de tochas e acompa­nhada de danças em ritmo afro. A beleza desse momento permanecerá na memória de to­dos como um dos pontos altos daquela noite pas­cal.

     A Vígilia prosseguiu com um tempo de partilha ou  de oração em grupos informais. Novo intervalo com frutas, refrigerantes e café, proporcionou momentos de confraternização.

     Às quatro horas e trinta minutos foi acesa a fogueira, tendo iní­cio a proclamação e celebração de Pentecostes. Concentrada em volta das escadarias, na parte externa da Catedral, a Assembleia acolheu a procissão que saía do interior do templo com os símbo­los e ministros que iriam animar o Rito da Fogueira, a Caminhada da Luz  e a celebração da Nova Criação na alvorada do Domingo de Pentecostes.

     A proclamação de Pentecostes (Atos 2,1-11) junto à fogueira; a diversidade de raças e línguas, o pluralismo no caminho da Fé; a madrugada, na Baixada do terror e da morte, iluminada pela Luz de Cristo; o pão abençoado (Rev.Eszter Karsay - da Hungria) e re­partido na praça central de Duque de Caxias; a homília do Rev. Emilio Castro e, finalmente, a presença de crianças de vários países do mundo, transformaram aquela como­vente e edificante experiência em um novo Pentecostes para mais de sete mil cristãos presentes na celebração final do encontro ecumênico em resposta à "Cúpula da Terra" das Nações Unidas.


3. CENÁRIO E CONTEXTO DA CNUMAD


     Na perspectiva da maioria dos participantes do Forum Global, a Conferência teve lugar no contexto mundial de crescente ameaça a todas as formas de vida no planeta Terra.

     No contexto brasileiro, a higiene e a segurança oferecidas aos visitantes ilustres não conseguiram ocultar ou encobrir a de­gradação e a decomposição da natureza e da vida nos morros e bai­xadas da Cidade Maravilhosa, como uma amostra chocante dos con­trastes  de  um  país, belo e rico, estruturado em favor de uma minoria privilegiada.

     Sem dúvida, os poderes da República Federativa do Brasil conseguiram demonstrar grande capacidade de organização e efi­ciência na preparação e realização da conferência da ONU e, ao mesmo tempo, um grau refinado de  cinismo, afastando indigentes e "pivetes" do espetáculo reluzente e maravilhoso do RIO CENTRO e do ATERRO do FLAMENGO.

     Conforme palavras da "CARTA ÀS IGREJAS":" com sentimento de urgência reunimo-nos na Baixada Fluminense...uma região conhecida por uma profunda degradação das condições de vida da maioria da população ...juntamente com elevados índices de poluição que de­grada o meio ambiente. Isto foi simbólico para nós , pois onde quer que se negue aos seres humanos sua dignidade criada por Deus, tambem se nega a dignidade ao  restante da criação". "Vinte anos após a Conferência de Estocolmo...nenhuma tendência impor­tante de degradação ambiental foi revertida. Hoje toda a vida está ameaçada num grau bem mais elevado. Muitas espécies de ani­mais e plantas foram extintas. A poluição da água , do solo e do ar é maior do que nunca. A desertificação e o desmatamento se aceleram. Enormes quantias de dinheiro gasto em armas e na mili­tarização continuam a exaurir recursos desesperadamente necessá­rios...O ônus da dívida dos países pobres tornou-se cada vez mais asfixiante. A fome aflige um número crescente de pessoas, não apenas na Ásia, África e América Latina, mas tambem nos países da Europa Oriental, no  Oriente Médio, no Extremo Oriente, no Caribe e até dentro das nações afluentes do assim chamado "Primeiro mundo"."



4.PERSPECTIVAS E PROPOSTAS PARA TESTEMUNHO E AÇÃO DOS CRISTÃOS 



     Inspirando-me  em  documentos  elaborados  por  ocasião   da 

CNU­MAD, convido fraternalmente os irmãos e irmãs do Comitê Central do CMI a perceber que as situações de crise sempre trazem em seu bojo sementes de renovação.

     Iluminados pela Fé, os acontecimentos e situações da histó­ria humana sempre manifestam a presença de Deus chamando-nos à vida em comunhão, pois nos fez à Sua imagem e semelhança.

     A grave crise ecológica está  produzindo convergência e ofe­recendo base para o entendimento entre os povos. Somos forçados a tomar consciência dos limites da natureza e da autonomia de cada nação.

     Nenhum povo consegue fechar suas fronteiras e permanecer imune às consequências de uma catástrofe ecológica. Nem mesmo as ilhas do Pacífico ou do Caribe estarão a salvo dos danos causados pela contaminação da terra. Da mesma forma, nenhuma Nação ou Es­tado permanecerá, por muito tempo, próspero e em paz, sem o res­gate de mais de  um bilhão de pessoas humanas, amadas por Deus em Cristo  como filhos e filhas, condenadas a definhar na indigên­cia, sofrendo a negação e o aviltamento de sua dignidade.

     O atual modelo de desenvolvimento da ordem econômica internacional é insustentá­vel. Mais do que isso: criminoso e blasfemo! Arranca as raízes da vida e elimina a esperança da face da terra. Sòmente podemos aceitar um modelo de desenvolvimento  que garanta os direitos de toda a humanidade com justiça, paz e  integridade da criação.

     Vivemos um momento rico de esperança. Não há mais tempo para fantasias e insensibilidade. Ninguém mais conseguirá dormir tran­quilamente. As sirenes nos convocam para a vida e a paz!

     A utopia do "pão nosso de cada dia" será a estrela que con­duzirá a humanidade ao encontro da criança-vida!

     A Carta às Igrejas apresenta a perspectiva para nosso com­promisso: " E as crianças, o que diremos às crianças e às ge­rações vindouras? Chegamos...à conclusão de que o sistema domi­nante está explorando a natureza e os povos em escala mundial..."

     "É extremamente urgente - continua o documento - que nós como Igrejas, assumamos compromissos espirituais, morais e mate­riais vigorosos e permanentes, com o surgimento de novos modelos de sociedade, baseados numa profunda gratidão a Deus pela dádiva da vida e no respeito pela totalidade da criação ".

     Sem dúvida cabe-nos urgir e incentivar a atuação política dos cristãos junto aos parlamentos e governos de seus países afim de que as convenções e documentos da CNUMAD sejam assinados, ra­tificados e implementados nos vários níveis de ação que exigem.


5.UM NOVO JEITO DE SER IGREJA    


     "A voz de Deus também convida à conversão a própria Igreja. Os cristãos não  estão isentos de responsabilidade em relação aos modelos de desenvolvimento que têm provocado os desastres sociais e ambientais em que nos encontramos" (CNBB - Comunicado final do  Seminário sobre Ecologia e Desenvolvimento).

     Como expressão de auto-crítica, a nossa "Carta às Igrejas" lembra que, no testemunho e no anúncio da Fé,  é importante estar sempre atento à contribuição da ciência e ao clamor do povo.

     "Não ousamos negar nosso próprio papel como Igrejas na crise que agora nos assola. Nós mesmos não proferimos a palavra profé­tica. Na verdade, nem mesmo a ouvimos quando foi dita por outros recentemente, incluindo uma série de cientistas. E muito menos demos ouvido aos clamores dos povos indígenas, que nos disseram durante séculos que a modernidade iria sujar seu próprio ninho e devorar seus próprios filhos. Assim precisamos sentir pesar e nos arrependermos" ( Carta às Igrejas ).

     Um jeito novo de ser Igreja se faz necessário, afim de que a comunidade eclesial passe a ser o espaço em que todos possamos aprender de maneira nova o que significa a aliança de Deus com todas as criaturas.

     A redescoberta da dimensão ecocêntrica e das limitações da natureza devem nos levar a  apreciar e cultivar um estilo de vida sem ganância ou esbanjamento, aprendendo a amar e a tratar a terra com gentileza, como o  faz o próprio Deus. Podemos falar de uma nova espiritualidade.        

     "O Espírito é doador e mantenedor da vida. Tudo o que fo­menta a vida, como a justiça, solidariedade e amor, e  tudo o que defende a vida, como o compromisso evangélico de posicionamento ao lado dos pobres, a luta contra o racismo e o sistema de castas e o compromisso de reduzir os armamentos e a violência - tudo isso significa concretamente viver de acordo com o Espírito. Para o cristão, isto é mais do que um ato político: é uma prática es­piritual. Mais ainda, viver de acordo com o Espírito é captar sua presença em toda a criação" (Carta às Igrejas).

     "Como seres humanos somos convocados a desenvolver uma cons­ciência criatural onde a criação deixa de ser vista como objeto de domínio. Ela é um dom de Deus que deve ser acolhido com reve­rência, respeito e louvor. Sòmente a vivência dessa relação do ser humano com a criação possibilitará novas relações sociais e ambientais e um novo tempo de paz e justiça. É neste contexto que recebem seu pleno significado as palavras de Cristo:"Eu vim para que todos tenham vida, e vida em abundância" (Jo.10,10). Com sua Ressurreição Êle inaugurou "o novo céu e a nova terra"(Apocalipse 21,1) que agora somos chamados a construir com a força de Seu Espírito" (Comunicado final do Seminário sobre Ecologia e Desenvolvimento - CNBB).

     As celebrações da Igreja deveriam valorizar o uso de elemen­tos materiais e cultivar a capacidade de escuta para entrar em sintonia com a sinfonia cósmica regida pelo Espírito. Ao mesmo tempo, uma atitude penitencial deverá nos conduzir à reconci­liação entre mulher e homem, entre raças, culturas e povos, aprendendo a manter uma postura de encantamento e de louvor pe­rante todo o ser e todo o conjunto de seres. Somos o corpo de Cristo e membros do templo cósmico de Deus!


6.CONCLUSÃO


     Louvo ao Senhor da História pela graça do encontro realizado na Baixada Fluminense. Os humildes e marginalizados foram reco­nhecidos como irmãos pelas mulheres e homens vindos ao Rio de Ja­neiro dos quatro cantos da terra. Louvemos, também, ao Senhor, pois o testemunho e o jeito das Comunidades dos pobres, podem inspirar a toda a Igreja de Cristo um jeito novo de ser!

     Igreja animada pelo Espírito da Ressurreição. Igreja que proclama a fidelidade de Deus, Sua misericórdia e parceria com o povo que caminha na história. Igreja que na fraqueza e na igno­rância dos pequenos proclama a manifestação da força e da sabedo­ria de Deus.

     Igreja que se alegra com o pluralismo e com a diversidade. Ao mesmo tempo, Igreja comprometida com a igualdade das pessoas e que não faz distinção ou discrimina quem quer que seja. Igreja em que mulheres e homens se descobrem, para alegria de todos e vida do mundo, ministras e ministros do Evangelho. Igreja verdadeira­mente católica, ecumênica e ministerial.

     Igreja que não coloca esperança no ouro, na sabedoria, no prestígio e no poder. Igreja decididamente comprometida com a vi­vência, testemunho e serviço à vida em comunhão. Igreja do pão abençoado, partido e repartido por todos e para todos. Igreja so­lidária com as alegrias e dores da família humana.

     Igreja sempre a caminho...em busca do novo! Como uma criança que aprende a correr para abraçar o horizonte!

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Reunião do Comitê Central - Conselho Mundial de Igrejas

Genebra, 22 de agosto de 1992

+ Mauro Morelli - 1º bispo da Igreja Católica Apostólica

de Comunhão Romana em Duque de Caxias e São João de Meriti



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